niilismo dadaísta

Vivemos na sociedade do Big Brother

*Por Jaime Duran Barba – Professor GWU. Membro do Clube Político Argentino.

Vivemos na sociedade do Big Brother
(Crédito: Pixabay)

Vivemos na sociedade do Big Brother, somos monitorados permanentemente, deixamos uma grande quantidade de dados em plataformas digitais que nos tornam mais compreensíveis e também manipuláveis. Informamos sobre o que fazemos quando utilizamos smartphones, computadores, aparelhos de GPS e outros aparelhos que nos conectam com uma Rede que avança constantemente sobre toda a realidade. Todos os dias, centenas de câmeras nos filmam, registrando o que fazemos, a que horas nos movemos, para onde vamos.

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A quantidade de dados que existe nas redes sobre todos nós é enorme e cresce exponencialmente à medida que a Internet das Coisas, a inteligência artificial e as técnicas de análise de dados são sofisticadas.

Até agora trabalhamos com informações e dados de pesquisas que nos deram versões parciais sobre o que as pessoas diziam sobre o que pensam e como se comportam, mas era difícil chegar perto da realidade. Frequentemente nossas análises foram limitadas pelo uso de conceitos ultrapassados, centradas na reflexão sobre problemas sociais e políticos obsoletos (classes, mercados), centradas em respostas de atores isolados a questões formuladas a partir do mundo dos pesquisadores.

A utilização de dados isolados levou-nos a transitar por visões instantâneas e estáticas, que não nos permitem compreender uma realidade líquida que só pode ser decifrada integrando informações qualitativas e quantitativas e análises holísticas que ajudam a compreender um mar de sensações que estão em constante mudança.

“Nossa cultura e os hábitos da sociedade dependem da aprendizagem social.”

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Os que se dedicam à luta ideológica porque acreditam que a “esquerda” está voltando são ineficientes, e uma maré castrista inunda a América Latina. Usando ferramentas tradicionais, você pode descobrir que nenhum site tem mais de 15% de pessoas interessadas naquela discussão. Se você procurar dados objetivos disponíveis na web, verá algo mais grave: pouquíssimos ouvem a internacional comunista ou os hinos dos partidos políticos no YouTube. Os jovens não ouvem mais as canções em homenagem a Che Guevara do que as de alguns rappers inconsequentes. Dezenas de milhões de seguidores ouvem todos os dias youtubers que falam de coisas sem importância, quase ninguém se interessa pelos discursos dos líderes políticos.

Quem diz que o eleitor exige que os candidatos apresentem programas de governo pode verificar por meio de ferramentas eletrônicas que nem 1% dos eleitores de qualquer país lê esses documentos e os que o fazem estão decididos a votar em alguém. Eles fazem isso para encontrar os erros no texto para combatê-lo.

As ciências do comportamento avançaram e não ocorre a ninguém atualizado que a mensagem se transmite com textos. Sabe-se que em um discurso, ou em um comercial, as palavras não representam nem 20% do que é comunicado. Mais de 80% depende da forma como é comunicado, das imagens, dos contextos mais do que dos textos.

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Após a pandemia, instalou-se um sentimento geral de angústia. Historicamente, nestas situações enfraquecem-se os valores de que falava Weber: poupar, sacrificar, prever o futuro. As pessoas tendem a gastar, se divertir, brincar, buscar prazer. As sempre crises fomentaram o entusiasmo pelo lúdico imediato, em detrimento dos sacrifícios a construir a longo prazo.

Esse entusiasmo pelo efêmero foi fomentado pela terceira revolução industrial e pelas mudanças que surgiram nas relações dos seres humanos entre si e nas que estabelecem com os objetos que cada vez mais se animam, aprendem, sistematizam informações, se comunicam entre si e conosco.

Milhares de estudos realizados dentro do paradigma behaviorista, usual nos Estados Unidos, permitem entender o que está acontecendo na perspectiva do que Byung-Chul Han chama de niilismo dadaísta.

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Um dos autores mais importantes dessa tendência é Alex ‘Sandy’ Pentland, ex-professor de psicologia e ciência da computação na Universidade de Stanford, atual diretor do MIT Human Group Dynamics Laboratory, cujo livro mais conhecido é “Social Physics: How Social Networks Can Make Us Smarter”, que lança as bases para uma nova disciplina, a física social.

“Precisamos superar o conceito de indivíduo como unidade de racionalidade.”

Os humanos têm mais em comum com as abelhas do que estamos acostumados a admitir: somos, antes de mais nada, criaturas sociais. Nossos hábitos de ação e as noções básicas de nosso senso comum surgem de nossa experiência em grupos sociais. A física social estuda o fluxo de ideias, sensações e a maneira como as redes sociais humanas as disseminam e as transformam em comportamentos.

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Pentland mostra que os seres humanos respondem mais a incentivos sociais que recompensam os outros ao nosso redor e fortalecem os laços que os unem, do que a incentivos que envolvem apenas nosso próprio interesse econômico.

Um estudo realizado em 300 cidades nos Estados Unidos e na Europa explicou os rendimentos médios mais com variações nos padrões de comunicação das pessoas do que com diferenças na educação ou na estrutura de classe. A renda individual cresce exponencialmente à medida que os indivíduos compartilham suas experiências.

Essa sociedade não parece regida pela soma de racionalidades individuais, mas por uma inteligência coletiva formada pelo fluxo de ideias e exemplos que todos os membros recebem de seu meio. É esse relacionamento ativo que cria grupos com hábitos e crenças compartilhados e integrados. A física social mostra que, quando um grupo incorpora constantemente ideias externas, os indivíduos que fazem parte dele tomam melhores decisões do que se permanecessem mais isolados.

Nossa cultura e os hábitos de nossa sociedade dependem principalmente do aprendizado social. A maioria de nossas crenças e hábitos públicos são aprendidos pela observação de atitudes, ações e resultados em nosso ambiente, e não por argumentos.

Pentland pode estudar padrões de troca de informações em uma rede social, sem precisar conhecer seu conteúdo, e prever com precisão o quão produtiva e eficaz essa rede é na comunicação de determinada mensagem, seja ela de uma empresa ou de uma cidade.

O acadêmico co-liderou o debate do Fórum de Davos que conduziu à regulamentação da privacidade de dados na rede da União Europeia. Sua pesquisa ajuda as pessoas a entender melhor a “física” de seu ambiente social e ajuda indivíduos, empresas e comunidades a se reinventarem para serem mais seguros, produtivos e criativos.

As empresas cofundadas ou incubadas pelo laboratório de Pentland incluem o maior sistema de prestação de serviços de saúde rural do mundo, o braço de publicidade do Alibaba, empresas como Ginger.io (serviços de saúde mental), CogitoCorp.com (treinamento de IA para gerenciamento de interação), Humanyze.com (saúde organizacional), Endor.com (IA pronta para preservar a privacidade), Enigma.co (contratos inteligentes confidenciais), Wise Systems (planejamento e otimização de entrega), Riff Analytics (melhoria de reuniões online), Sila Money (stablebank e stablecoin), Akoya (interações financeiras seguras que preservam a privacidade), FortifID (identidade digital), Collaborative Community Services (investir em comunidades carentes) e Secure AI Labs (análise federada de dados médicos).

Com seus colegas William J. Mitchell e Kent Larson do MIT, ele desenvolveu o conceito de laboratório vivo, uma metodologia de pesquisa centrada no ser humano para detectar, prototipar, validar e refinar soluções complexas da vida real.

A sociedade ocidental partiu da ideia de que somos indivíduos de pensamento livre, mas estudos do comportamento humano baseados em big data dizem que a comunicação e os hábitos compartilhados são mais importantes para explicar nossas atitudes, estimular a produtividade e a criatividade, do que as opções individuais. Apostamos mais em incentivos que premiam indivíduos a nós relacionados e fortalecem nossos vínculos com eles, do que incentivos que se referem apenas ao nosso interesse econômico. Precisamos superar a concepção do indivíduo como unidade de racionalidade e reconhecer que nossa inserção na vida é em grande parte determinada pelo tecido social que nos cerca.

As consequências dessas investigações sobre a possibilidade de viralização de mensagens e sobre as formas de relacionamento dos indivíduos com a rede são enormes. Aplicando a física social, um conceito complexo como a militância cibernética pode ser desenvolvido de forma sofisticada, o que permite uma eficiência extraordinária na ação política. É uma nova dimensão de análise que consegue alcançar objetivos que parecem impossíveis.

Essas obras complexas, elaboradas dentro desse paradigma, têm um complemento no campo da filosofia, ao qual voltaremos em nosso próximo artigo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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