Em uma votação simbólica e relâmpago nesta quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação em regime de urgência de um projeto que equipara o aborto a homicídio. Com essa decisão, a proposta será votada diretamente no plenário, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não anunciou previamente o tema da votação e declarou a urgência aprovada em apenas 23 segundos. A votação simbólica, que não registra os votos dos deputados no painel, geralmente é utilizada quando há consenso entre os parlamentares. No entanto, a condução atípica por parte de Lira não gerou protestos imediatos.
Lira mencionou um acordo com as bancadas, mas não especificou seu conteúdo. Em seguida, questionou se o PSOL gostaria de se posicionar sobre a urgência. O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) não se manifestou, e Lira proclamou o resultado.
Posteriormente, deputados do PSOL e do PCdoB expressaram suas discordâncias ao microfone. Ainda não há uma data definida para que o projeto seja analisado pelo plenário.
Veja como foi a votação da urgência para Projeto de Lei que equipara o aborto ao crime de homicídio.
Feita de forma simbólica, votação durou menos de 10 segundos. PCdoB, PSOL e PT manifestaram votos contrários.
Alguns deputados só se deram conta do que havia sido aprovado… pic.twitter.com/73uD18Qhzh
— Metrópoles (@Metropoles) June 12, 2024
Proposta polêmica e reações
O autor da proposta, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), revelou ao blog de Andreia Sadi que o objetivo do projeto é “testar” o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu comprometimento com os evangélicos. “O presidente mandou uma carta aos evangélicos na campanha dizendo ser contra o aborto. Queremos ver se ele vai vetar [o projeto]. Vamos testar Lula”, afirmou Cavalcante.
O projeto gerou fortes reações no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O ministro Silvio Almeida criticou duramente a medida, classificando-a como uma “imoralidade e inversão dos valores civilizatórios mais básicos”.
Almeida destacou a gravidade de equiparar uma mulher estuprada a um estuprador no âmbito legal. “É difícil acreditar que a sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador têm o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte”, disse o ministro.
Almeida também afirmou que o projeto é inconstitucional, pois “fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável, a tratamento discriminatório”. Ele enfatizou que a proposta representa o ódio de parte da sociedade em relação às mulheres e beneficia estupradores.
“Trata-se da materialização jurídica do ódio que parte da sociedade sente em relação às mulheres; é uma lei que promove o ódio contra mulheres. Como pai, como filho, como cidadão, como jurista, como Ministro de Estado, eu não posso jamais me conformar com uma proposta nefasta, violenta e que agride as mulheres e beneficia estupradores”, concluiu Almeida.
O que pode mudar com projeto que equipara aborto ao crime de homicídio?
Atualmente, o aborto não é considerado crime em três circunstâncias: se o feto for anencéfalo, se a gravidez for resultado de estupro ou se a gravidez representar risco de vida para a mãe. Fora dessas situações, o aborto é criminalizado. Na prática, as mulheres não são presas, mas enfrentam o constrangimento de responder legalmente por um crime.
A proposta de lei modifica o Código Penal para aplicar a pena de homicídio simples em casos de aborto realizados em fetos com mais de 22 semanas, caso a mulher provoque o aborto em si mesma ou consinta que outra pessoa o faça. A pena passaria de 1 a 3 anos de prisão para um período de 6 a 20 anos.
Se o aborto for realizado por outra pessoa, com ou sem o consentimento da gestante, a pena também será aumentada. Com consentimento, a pena passaria de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, e sem consentimento, a pena, que atualmente é de 3 a 10 anos, também passaria a ser de 6 a 20 anos.
A proposta também altera o artigo que permite o aborto legal, restringindo essa possibilidade para casos de gravidez resultante de estupro. De acordo com o novo texto, apenas mulheres com gestação até a 22ª semana poderão realizar o procedimento. Após esse período, mesmo em caso de estupro, o aborto será criminalizado, o que difere da legislação atual.