Por Sebastião Chumbita

Inteligência Artificial: Em busca da Democracia Judiciária

A ideia de um sistema judicial mais transparente, acessível e equitativo, que reflita os valores democráticos da sociedade, é possível se usarmos a tecnologia de forma responsável

democracia
Inteligência artificial pode fortalecer a democracia – Créditos: Reprodução/Cedoc

Na América Latina, o conceito de democracia judicial está rodeado de mal-entendidos e questões que desviam a atenção da sua verdadeira importância. Ao contrário dos argumentos que este termo se reduz à eleição popular do poder judicial, esta noção procura harmonizar a autonomia dos tribunais com a necessidade de tornar a Justiça mais acessível, transparente e equitativa para todos os cidadãos.

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Mantendo uma distância saudável entre a Justiça e a política (ou o Poder Executivo), defender a democracia judicial significa promover um sistema verdadeiramente do povo e para o povo, no qual a sociedade tenha confiança e veja refletidos os valores democráticos pelos quais lutou.

Democracia e a inteligência artificial

Nos dias de hoje, onde se questionam a legitimidade dos juízes, a falta de transparência nas decisões, o alto custo do serviço, a dificuldade de acesso e a ausência de uma linguagem clara, a adoção da inteligência artificial (IA) surge como uma oportunidade considerável para atingir este objetivo, pois permitiria enfrentar alguns dos desafios históricos e estruturais que afetam a Justiça em toda a região.

Com efeito, através do desenvolvimento de sistemas inteligentes que proporcionem o potencial oferecido pelos algoritmos, o Judiciário pode melhorar o seu serviço através da sua inclusão – nomeadamente em três eixos principais que veremos a seguir.

Transparência

Quando falamos da capacidade da IA ​​de analisar grandes volumes de dados e prever soluções jurídicas, temos que considerar que ela também pode oferecer maior transparência. A rastreabilidade dos chamados sistemas de caixa branca (como Prometea ou PretorIA) permite fornecer, em caso de qualquer reclamação, a informação necessária para determinar exatamente quais os dados utilizados para decidir um determinado sentido. Isso significa que podemos explicar perfeitamente como uma decisão é tomada, mesmo com a ajuda de software. Hoje, embora sejam utilizados procedimentos tradicionais, os tribunais revelam-se frequentemente como “caixas negras”, ou seja, sistemas cujo funcionamento é impossível de conhecer.

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Acesso

Outro aspecto fundamental da democratização judicial está ligado ao acesso ao sistema. A região apresenta obstáculos geográficos, econômicos e sociais específicos que marginalizam os sectores mais vulneráveis. A eles devemos também acrescentar a urgência imposta pelas mudanças vertiginosas da Quarta Revolução Industrial.

O compromisso destes tempos passa, então, por gerar recursos informáticos que permitam ultrapassar as barreiras burocráticas, econômicas e linguísticas que as instituições mantêm com os cidadãos, através da interação com as organizações de forma mais rápida e menos onerosa.

Ao mesmo tempo, proporcionar a possibilidade de obter informações essenciais em linguagem compreensível (graças a grandes modelos de linguagem como ChatGPT) e oferecer mecanismos de resolução de conflitos mais amigáveis, como os propostos por grandes plataformas de comércio eletrônico como Amazon, eBay ou MercadoLibre que gerar incentivos para poder resolver problemas através da satisfação antecipada sem sair de casa.

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Processo seletivo

Por fim, é oportuno falar sobre o processo de seleção daqueles que exercem Justiça. Observamos no início que neste caso usamos o termo “democracia” numa concepção mais ampla do que aquela que se refere ao sufrágio. Neste ponto, a tecnologia também pode mudar a forma como o processo é tratado. Pensemos em sistemas inteligentes que promovam automaticamente o processo, eliminando atrasos e garantindo que as nomeações judiciais sejam baseadas exclusivamente na trajetória, experiência, conhecimento e capacidades das pessoas, e não em possíveis conexões políticas, influências externas ou discricionariedades arbitrárias.

Os obstáculos da IA na democracia

Obviamente, não podemos encerrar este discurso sem deixar de alertar que a incorporação destas ferramentas nos sistemas judiciais não é isenta de riscos. A preocupação de que os algoritmos possam replicar ou amplificar preconceitos é particularmente relevante numa região marcada por desigualdades sociais, econômicas e de gênero. As mesmas questões que tanto nos atormentam porque estão enraizadas não só impedem a consolidação da democracia, como também se reproduzem e podem ser potencializadas em softwares, gerando mais danos.

Portanto, a intervenção humana nunca é complementar, ela será sempre indispensável. Para garantir que estes sistemas tenham um impacto benéfico, é necessário que sejam desenvolvidos e implementados de forma a respeitar rigorosamente os princípios que compõem as nossas normas constitucionais.

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Em qualquer caso, o caminho para uma democracia judicial reforçada pela inteligência artificial na América Latina é uma possibilidade concreta. Requer apenas um diálogo aberto e sustentado entre os setores tecnológico, judicial e político, focado na criação de um quadro jurídico robusto que responda às preocupações específicas da independência da Justiça e aproveite o potencial da indústria para transformar a nossa realidade.

*Sebastião Chumbita é advogado especialista em novas tecnologias

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião de Perfil Brasil

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