Diante da guerra, que opção têm os judeus?

Os judeus carregam uma herança coletiva da qual não podem se livrar, porque nunca e em lugar nenhum estão totalmente integrados

Diante da guerra, que opção têm os judeus
(Crédito: Spencer Platt/Getty Images)

Não desejo que ninguém seja ou se torne judeu, é muito complicado, afinal diante da guerra, que opção têm os judeus? Para começar, como você define quem é judeu e quem não? Alguns rabinos acreditam que, para ser judeu, é preciso nascer de mãe judia. Mas na tradição hebraica, os textos se contradizem e os rabinos não são papas; sua autoridade só se aplica a seus discípulos. Pessoalmente, sou um judeu sem rabino e não conheço nenhum. Essa definição étnica, adotada pela Inquisição e pelos nazistas, não resiste ao escrutínio; os judeus não são iguais e basta visitar Israel para verificar a sua diversidade. O judeu biológico é mais parecido com a região do mundo de onde ele vem: eslavo, africano, indiano, árabe e assim por diante.

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Devemos definir os judeus por sua religião? Bem, acontece que muitos deles, quase metade, na França, Argentina e Estados Unidos, se declaram ateus. Portanto, pode-se ser judeu e não acreditar em Deus nem no destino do Povo escolhido. O judeu ateu ou o judeu vagamente crente ou vagamente praticante não é menos judeu. Por que esse paradoxo? Porque todos os judeus, mesmo que incrédulos e mestiços, compartilham a mesma história, a mesma experiência: a do exílio e do antissemitismo.

Carregamos uma herança coletiva da qual não podemos nos livrar, porque nunca e em lugar nenhum estamos totalmente integrados, e se perdêssemos esse sentimento de exílio, sempre haveria algum antissemita para nos lembrar de nossa diferença. E, além disso, Israel complica tudo ao forçar os judeus, onde quer que vivam, a tomar partido, o que não é óbvio.

Por muito tempo, os judeus no exílio – a diáspora – consideraram que não precisavam de um Estado, nem mesmo de uma terra, para permanecer judeus; o Livro era o suficiente, por que se atribular com a política. Quando os romanos tomaram Jerusalém há vinte séculos, o historiador Flávio Josefo, que participou do combate, era um oficial romano: apesar de ser judeu, temia a fúria de alguns de seus correligionários, os zelotes dispostos a morrer por um pedaço de colina e uma pilha de pedras. Este abismo entre os judeus do Livro e os judeus da Terra nunca foi fechado. Quando, no final do século XIX, os judeus da Rússia e da França, entre os pogroms e o caso Dreyfus, concluíram que para escapar do antissemitismo era preciso se refugiar em uma terra isolada, esses primeiros sionistas pensaram na Argentina, Uganda e Madagascar.

Theodor Herzl, considerado o fundador do Israel contemporâneo, não era partidário, a princípio, de um retorno à Palestina, pois sabia que ela já estava povoada e que o conflito com os árabes seria inevitável. Ele se resignou à Palestina somente após admitir que, sem a mística das origens, os judeus permaneceriam na Europa.

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Assim, os pioneiros, meus tios, por exemplo, fundaram Tel Aviv no meio do deserto, na esperança de não invadir as terras árabes. E como eram socialistas e ateus, pensavam que sua ideologia laica não ofenderia as crenças de seus vizinhos muçulmanos; uma ingenuidade mal recompensada pelas novas nações árabes que se definiram em oposição a Israel, em grande parte para se legitimar. Esses árabes antissionistas estavam, paradoxalmente, no mesmo campo que os integristas judeus da França e dos Estados Unidos, que consideravam ímpio restaurar um Estado de Israel sem esperar pelo retorno do Messias. Esses ultraortodoxos preferiram ficar em Nova York e Paris até 1967, quando a conquista de Jerusalém pelo exército israelense mudou sua visão do mundo. Em vez de esperar pelo Messias no exílio, eles emigraram em massa para Israel para se aproximar do Fim dos Tempos e agora se esforçam para transformar este Estado outrora socialista em uma teocracia conquistadora.

Como deveriam se relacionar com Israel, especialmente em tempos de guerra, aquela metade dos judeus que não vive em Israel e não tem nenhuma intenção de emigrar para lá? A primeira opção é se declarar sionista à distância: apoiar Israel em qualquer circunstância, sem correr nenhum risco. A segunda opção é se declarar antissionista: opor-se a Israel, definido como colonialista, e simpatizar com os palestinos, também à distância. O antissionista cuidará muito de não se chamar de antissemita, embora a distinção nem sempre seja totalmente clara.

Resta uma terceira opção, minoritária, que é a minha: o assionismo. O assionismo supõe reconhecer-se como judeu, ateu ou crente, sem confundir o destino do judaísmo com o do Estado de Israel. O assionista é favorável à criação de um Estado palestino ou, melhor ainda, de uma federação judaico-palestina no modelo suíço.

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“Se israelenses e palestinos razoáveis pudessem chegar a um entendimento, acredito que a solução suíça seria a única garantia de paz de longo prazo e de prosperidade compartilhada.”

Também seria uma bela lição para os déspotas árabes da região. Esta opção é totalmente utópica porque os israelenses razoáveis, da mesma forma que os palestinos razoáveis, são reféns dos fundamentalistas, judeus e muçulmanos.

Para iniciar uma negociação, esses judeus ultraortodoxos teriam que ser mandados de volta ao Brooklyn, de onde vêm, e o Hamas, ao Irã, que o financia. Nada disso acontecerá em nosso tempo; que o forte dita ao fraco é uma lei férrea da história. Mas Israel também é a terra dos milagres, então continuarei sendo assionista.

*Por Guy Sorman – Filósofo e autor francês.

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Produção – Silvina Márquez.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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