Desde 8 de agosto, um incêndio colossal já devastou mais de 67 mil hectares na Terra Indígena Kayapó, localizada na região do Xingu, no Pará. Com uma área equivalente à de Florianópolis, o fogo é apenas mais uma das inúmeras frentes de incêndio na Amazônia. O monitoramento desses incêndios é realizado pelo programa Servir-Amazônia, da NASA, que utiliza satélites para acompanhar a situação.
As queimadas acima de 10 mil hectares têm se tornado cada vez mais comuns. Erika Berenguer, cientista sênior na Universidade de Oxford, destaca à Folha de S. Paulo que estamos entrando na “era dos megaincêndios“, um fenômeno extremamente catastrófico. O primeiro megaincêndio registrado no Brasil ocorreu em 1998, em Roraima, ano marcado pelo fenômeno El Niño.
Os impactos do El Niño e as mudanças climáticas no Xingu
O El Niño continua a prejudicar a incidência de chuva sobre a Amazônia, potencializado pelas mudanças climáticas. Erika Berenguer explica que a floresta amazônica, naturalmente úmida, não deveria sofrer com incêndios em um clima normal. No entanto, a temperatura na região aumentou 1,5°C desde a década de 70, conforme apontam estudos.
Em 2024, mais de 1,77 milhão de hectares de floresta queimaram na Amazônia brasileira até agosto, segundo o MapBiomas. Aproximadamente 33% dessa destruição ocorreu em áreas florestais, enquanto 38% afetaram áreas de agropecuária, principalmente pastagens, e 30% vegetações nativas não florestais.
Qual é a situação atual dos incêndios?
Em agosto, foram registrados mais de 38 mil focos de incêndio no bioma amazônico, maior número desde 2010. Este aumento evidencia um nível extremo de seca, gerando preocupações sobre a aproximação da floresta ao colapso, conforme destacam os cientistas. Segundo Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de Ciência do Ipam, a floresta fica mais inflamável em períodos de seca, resultando em queimadas mais intensas.
Este cenário alarmante poderia acelerar um processo de degradação da floresta, tornando a recuperação cada vez mais difícil. Alencar adverte que se essas condições persistirem, a floresta pode eventualmente não ser mais capaz de se regenerar.
Incêndios: qual é o ponto de não retorno da Amazônia?
Segundo Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, estamos muito próximos de um ponto de mudança definitiva da Amazônia, especialmente na porção sul. Continuando nessa trajetória, podemos passar do ponto de não retorno até 2050. Nobre destaca que a estação seca no sul da Amazônia, que cobre mais de 2 milhões de km², se prolongou em quatro a cinco semanas nas últimas quatro décadas, além de se tornar 20% mais seca.
Marina Hirota, cientista da Universidade Federal de Santa Catarina, compara o ponto de não retorno à falência múltipla de órgãos no corpo humano, com várias regiões deixando de funcionar gradualmente. No sudeste da Amazônia, já se observa um aumento significativo de temperatura e uma estação seca mais longa. Situações semelhantes ocorrem no sudoeste, onde nascem rios que alimentam o rio Solimões.
Degradação florestal: uma ameaça silenciosa
A degradação florestal é um processo que enfraquece a Amazônia, combinando-se com a presença do fogo para facilitar a propagação das chamas. Esse fenômeno é caracterizado pela perda das maiores árvores, seja pelo corte seletivo, pela proximidade de áreas desmatadas ou pelo próprio fogo. Dessa forma, a floresta se torna mais quente e menos diversa.
Os incêndios são altamente destrutivos para a Amazônia, causando a morte de aproximadamente 50% das árvores, já que as espécies locais não são adaptadas ao fogo. Isso prejudica as funções da floresta. Uma área intacta pode armazenar 300 toneladas de carbono por hectare, mas essa quantidade cai para uma faixa de 80 a 120 em locais degradados.
Como lidar com o desafio da mudança climática?
Os cientistas alertam que o aumento da temperatura global devido às atividades humanas cria um futuro propício para a ocorrência de mais incêndios. Erika Berenguer aponta que este é um grande desafio, pois nunca tivemos que lidar com isso antes. André Lima, secretário do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, destaca que o aumento das queimadas na Amazônia tem sido também um método de apropriação de terras públicas, em um cenário onde o desmatamento teve redução significativa.
Lima menciona casos específicos de incêndios criminosos na Floresta Nacional do Jamanxim (PA) e no Parque Estadual Guajará-Mirim (RO), como reações à presença da fiscalização ambiental. No entanto, só será possível determinar com certeza se os incêndios florestais estão sendo usados como método de grilagem após a temporada de queimadas, caso essas áreas sejam convertidas em pastos ou plantações.
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