Opinião

Uma ameaça às eleições brasileiras

*Por João Roberto Lopes Pinto – Cientista politico. Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Uma ameaça às eleições brasileiras
Jair Bolsaro e Lula (Créditos: Bruna Prado/Getty Images/ Igo Estrela/Getty Images)

A polarização eleitoral no Brasil, que já estava prevista desde a cassação das condenações do ex-presidente Lula da Silva, não só se confirma, como projeta uma eleição presidencial plebiscitária, já no primeiro turno. Não apenas a suposta “terceira via” vira fumaça, mas a polarização política tende a se aprofundar como nunca antes na história deste país. Se lamentamos o quanto a polarização diminui o debate político-programático, não podemos perder de vista o quão inevitável é na atual conjuntura.

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Anormalidade

Nesse cenário, um provável segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro dificilmente ocorrerá dentro da normalidade democrática. Já sabemos o que esperar de Bolsonaro. Além do “vale tudo” de sua campanha de 2018, ele agora está no controle da máquina civil e militar. Não por acaso, ele vem oscilando positivamente nas pesquisas, mesmo sem ameaçar a vantagem de Lula na corrida eleitoral. Mas, devemos lembrar que a campanha eleitoral ainda não começou realmente, oficialmente, pois só o fará em agosto.

Na cabeça de Bolsonaro, chegar ao segundo turno com Lula é a oportunidade de sacudir o país. Se ele perder, provavelmente escolherá criar um ambiente de desestabilização política e de alguma forma impedir que seu oponente assuma o cargo.

Embora haja uma lacuna entre a vontade de Bolsonaro e a capacidade golpista, seu apelo popular não deve ser subestimado, nem suas ligações com o ultraconservadorismo internacional e a oligarquia financeira nacional e estrangeira.

Todos aqueles que, independentemente de sua filiação partidária, consideram a continuação de Bolsonaro inaceitável e impensável, devem levar em conta o enorme risco de levar a eleição para um segundo turno. Uma vitória de Lula, já no primeiro turno, representaria uma retumbante rejeição ao governo, reduzindo assim as chances de reação de Bolsonaro e seus apoiadores. Certamente não é uma tarefa fácil. Houve segundo turno nas últimas cinco eleições presidenciais.

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Razões

Não se trata de um argumento retórico com a intenção de chantagear a consciência dos eleitores, pois já nos posicionamos, em outra ocasião, de forma crítica à candidatura Lula-Geraldo Alckmin. Este é, infelizmente, um cenário muito provável, dado tudo o que testemunhamos desde o golpe de 2016, coroado pelo atual governo neofascista.

Tampouco se trata de questionar as opções eleitorais legítimas em candidaturas que, como a de Lula, se apresentam como oposição, como nos casos do PDT, UP, PCB e PSTU. Num ambiente de “normalidade” democrática, os dois turnos de votação visam justamente favorecer, no caso de cargos majoritários, a disputa entre vários projetos políticos, no primeiro turno, e a formação de uma maioria sólida, no segundo , quando projetos contrários disputam votos. No entanto, a inevitável polarização transformará o primeiro turno em um plebiscito, no qual será testada a aprovação ou reprovação do governo Bolsonaro.

A candidatura de Lula é, de fato, a única capaz de enfrentar eleitoralmente a de Bolsonaro. Se Bolsonaro tem seus 20% de eleitores fiéis, Lula tem sua base histórica de 30%. Mais do que compor uma frente partidária de esquerda ou democrática em torno da candidatura de Lula, a importância de uma vitória no primeiro turno exige uma campanha que mobilize as ruas e, principalmente, a juventude. O apelo recente dos artistas para que a população jovem, entre os 16 e os 18 anos, cujo voto é facultativo, retire o cartão eleitoral é um exemplo concreto do que se pode fazer em termos de mobilização. A preferência por Lula entre os jovens, entre 16 e 24 anos, ultrapassa 50%.

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Campanha do movimento

É necessária uma mobilização que ressoe, dos quatro cantos do país, um retumbante não a tudo o que Bolsonaro encarna, como “chefe” das oligarquias financeiras. Como responsável direto pelas milhares de mortes evitáveis ​​na pandemia de Covid-19; recolocar o Brasil no mapa da fome; o desmantelamento da educação e pesquisa públicas; de desprezo pela cultura; da institucionalização da mentira por meio de fake news e do encobrimento da corrupção descarada que afirma ser contra a “velha política”; pela exaltação dos milicianos, torturadores e torturadores; pela disseminação da intolerância religiosa, LGTBfobia e racismo; pelo aumento das tarifas de combustíveis, alimentação e serviços públicos, e pelo aumento do desemprego e da precarização do emprego.

Esta será uma campanha que, efetivamente, terá que ganhar as ruas e não abandoná-las. Em 2018, o setor progressista foi às ruas no segundo turno, no que ficou conhecido como movimento dos “viradores de votos”. Esse movimento conseguiu, de fato, fazer crescer a candidatura de Fernando Haddad na reta final. As pessoas saíram às ruas dispostas a ouvir a população sobre suas preferências e motivações, e buscando expor as diferenças entre os candidatos.

Cronograma

Bem, agora precisamos de algo semelhante, agora! Mas não se engane: a mobilização não será produzida apenas pela negação, pelo anti-Bolsonaro. Depende também de um horizonte, de uma agenda que reúna e articule as insatisfações contra o ultraliberalismo do atual governo.

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Uma agenda que inclua, por exemplo, a revisão das privatizações, teto de gastos, reforma trabalhista, autonomia do banco central; e que seja a favor da reforma agrária, dos direitos dos povos indígenas, do fortalecimento do SUS (sistema de saúde), da redução dos preços dos combustíveis, da tributação da riqueza, da democratização do dinheiro por meio de bancos populares e moedas sociais.

Não se trata de esperar pelo calor dos acontecimentos de um segundo turno. Temos que virar esse calor a nosso favor, cerrando fileiras contra o bolsonarismo. E se Lula não vencer no primeiro turno, continuemos mobilizados nas ruas, até mesmo para defender, se necessário, a legalidade da eleição, condição mais básica de uma democracia.

Esta não será apenas mais uma campanha eleitoral. Vivemos um momento singular e decisivo em nossa frágil trajetória democrática, e todos somos responsáveis ​​por seu curso. É mais do que uma escolha. Trata-se da possibilidade de continuar lutando para melhorar a vida da maioria da população, diariamente submetida à violência e aos altos preços.

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Apesar da importância de Lula e do PT para a democracia brasileira, a tarefa imediata é maior e se impõe a qualquer projeto político-partidário. Trata-se de confrontar nosso passado recente e estar preparado para evitar que o tumor fascista se espalhe como uma metástase na vida nacional.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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