A história do verdadeiro chefe de Lionel Messi no PSG

O emir do Catar, Tamim Bin Hamad Al Thani, é quem manda no clube parisiense, apesar de o titular ser o seu amigo Nasser Al-Khelaifi. O futebol como ferramenta para lavar a imagem de um regime

A história do verdadeiro chefe de Lionel Messi no PSG
Emir do Catar, Tamim Bin Hamad Al Thani (Crédito: Alexander Hassenstein/Getty Images for IAAF)

O Paris Saint-Germain, o clube que pensou em Lionel Messi, não é uma equipe comum, e o verdadeiro chefe do jogador é uma sociedade anônima cujo proprietário não é um empresário, um fundo comum ou um homem rico. Seu dono é um país.

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O PSG é propriedade do Catar, que o comprou em 2011 por meio de um fundo soberano liderado pelo atual emir, Tamim bin Hamad Al Thani. O pai de Tamim, o então emir Hamad bin Khalifa Al Thani, criou a Qatar Investment Authority (QIA) para administrar os lucros da exportação de petróleo e gás natural. E uma subsidiária da QIA, a Qatar Sports Investments, é quem comprou o clube por algo em torno de 100 milhões de euros, incluindo as dívidas.

Quem conduziu a operação de compra foi Tamim, líder do Catar desde a abdicação de seu pai em 2013. Tamim é o segundo filho do segundo casamento de Hamad. Ninguém acreditava que ele se tornaria emir, pois essa posição deveria corresponder a um de seus irmãos mais velhos, mas Hamad surpreendentemente o escolheu como príncipe herdeiro em um decreto que ele assinou em 2003 e desde então o sucessor se preparou para reinar.

Os méritos de Tamim para ser escolhido se relacionavam principalmente ao seu trabalho como gestor esportivo. Organizou os Jogos Asiáticos, os Jogos Pan-Árabes, dois campeonatos mundiais de natação, um de atletismo paraolímpico, outro de boxe amador, e fez parte da equipe que conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022, além de que, por ser fluente em inglês e francês, conseguiu formar relações com o mundo diplomático internacional.

No fundo, esse foi um dos motivos pelos quais o Catar decidiu investir no futebol. Em 2008, o governo catarense produziu um documento denominado Visão Nacional Catar 2030, no qual projetou os próximos 22 anos e deu ao esporte um papel central no crescimento do país. Para o governo da família Al Thani, o esporte devia ser um dos apoios do reposicionamento, já que, apesar da sua riqueza, os Al Thani sentiam que o Catar passava despercebido.

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A estratégia teve de ser posta em marcha quase imediatamente, pois entre o final de 2010 e o início de 2011, com a Primavera Árabe, o Catar enfrentou uma das potências regionais, a Arábia Saudita, que o acusou de promover uma tentativa de golpe. A Primavera Árabe foi um movimento de oposição que levou à queda dos governos do Egito, Líbia, Iêmen e Tunísia, desencadeou combates intensos na Síria e forçou mudanças políticas em outros países. O motivo do confronto foi que o Catar encorajou a nova onda política, enquanto a Arábia preferiu uma resposta mais conservadora.

Em meio a essa crise regional, o Catar comprou o PSG, time com pouco brilho e menos títulos, cujo glamour tinha mais a ver com a localização em Paris do que com o seu histórico. Quando Tamim bin Hamad Al Thani adquiriu a equipe parisiense, as equipes de maior sucesso na França eram o Saint-Étienne, com dez títulos; Olympique de Marselha, com nove, e Lyon, com sete. PSG tinha apenas dois.

Razões

Por que ele comprou um clube? Porque ele entendeu que o futebol poderia lhe dar uma visibilidade que quase nenhuma outra atividade lhe daria. O futebol, e Paris em particular, ofereceriam ao Catar um alcance e um relacionamento únicos. E assim foi.

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Desde então, o Catar tem usado a plataforma do futebol para se mostrar. O ponto culminante desta estratégia ocorreu em 2017, quando comprou o brasileiro Neymar por 220 milhões de euros. Fez isso um mês depois que a Arábia Saudita e mais seis países da região (Egito, Emirados Árabes, Bahrein, Maldivas, Líbia e Iêmen) romperam relações com o governo de Doha e o acusaram de proteger o terrorismo.

Quando a imagem negativa do Catar crescia devido às acusações de seus inimigos, a resposta foi uma demonstração fenomenal de “soft power”, conceito que surgiu em 1990 em Harvard, quando Joseph Nye definiu assim o poder de influência internacional obtido por métodos brandos, como a diplomacia, as relações e o marketing. É uma oposição ao termo “hard power”, que seria obter resultados por meios duros, como a violência.

O que o Catar fez quando foi acusado de proteger terroristas? Comprou o Neymar e mudou o eixo do debate. O mundo passou a vê-lo como um país dinâmico e audacioso, que se destaca pelos investimentos e pelo PIB, o mais alto do planeta em termos per capita. O Qatar não estava em posição de resolver seus conflitos por meio de uma disputa bélica, então respondeu com poder brando e driblou os seus adversários.

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A compra de Neymar pode ter feito sentido esportivo e até econômico, mas, na prática, o brasileiro oficiou como uma peça dentro da estratégia global de Tamim bin Hamad Al Thani. E o Messi?

O conflito com os seus vizinhos regionais foi superado no início de 2021, quando a Arábia levantou o bloqueio que mantinha o país quase isolado.

Hoje Tamim governa um pequeno e rico emirado, uma monarquia em poder dos Al Thani desde o século XIX, que superou seus confrontos com uma aliança entre o esporte e a diplomacia. Já provou que o “soft power” traz bons resultados. Embora os conflitos tenham diminuído, por que mudar agora?

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*Por José Ignacio Lladós, jornalista e autor de “El Circo de los Pueblos. Cómo dictadores, narcotraficantes, políticos y empresarios consiguieron poder a través del fútbol”. E Pablo Berisso – Editor especial.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Notícias, da PERFIL Argentina.

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