A derrota do imperialismo

Donald Trump comprometeu-se a acabar com a guerra durante a sua campanha eleitoral, e Joe Biden manteve essa promessa diante do cansaço da opinião pública de continuar a apoiar uma guerra distante sem antever um horizonte. Os ataques às Torres Gêmeas, que serviram de pretexto para a intervenção em 2001, já não justificavam o elevado nível de despesas para sustentar um regime acusado de corrupção

A derrota do imperialismo
Ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001 (Crédito: Spencer Platt/ Getty Images)

China, Rússia, Irã, Turquia, Paquistão, Venezuela e Cuba comemoraram a derrota do imperialismo e a retirada caótica dos Estados Unidos e seus aliados do Afeganistão. O Grupo de Puebla escreveu um tweet enigmático citando Simone de Beauvoir. Faltaria apenas o comentário conspícuo de Hebe de Bonafini para fechar o círculo de opiniões virtuosas sobre a queda de Cabul e o controle do país pelo Talibã. A foto do chanceler chinês, Wang Yi, ao lado do líder talibã, Mullah Abdul Ghani Baradar, bem como a notícia do encontro em Moscou da delegação chefiada por Shahabuddin Delawar, percorreram o mundo para indicar o apoio dos dois países ao Talibã antes mesmo do avanço final sobre a capital afegã.

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Tudo o que cheire a derrota do “imperialismo” pode ser celebrado independentemente do seu significado e consequências. O governo do Talibã será teocrático e aplicará a lei islâmica como fez durante a sua experiência de 1996-2001 com a criação do Emirado Islâmico do Afeganistão. Não haverá democracia e as mulheres ficarão mais uma vez reservadas para o serviço, a masturbação e a procriação da espécie. Qualquer insinuação da cultura ocidental será proibida porque corrompe mentes e impede a dedicação total aos princípios do Islã.

A situação no Afeganistão repete os acontecimentos no Irã na década de 1970 com o retorno do aiatolá Khomeini em fevereiro de 1979. O retorno, a revolução contra o Reza Xá Pahlavi e a fundação da República Islâmica foram festejados pelo progressismo no mundo inteiro, inclusive pelo renomado Michel Foucault, porque acabava com o regime autocrático apoiado pelos Estados Unidos. Em pouco tempo, os fundamentalistas aniquilaram as facções democráticas e criaram um estado militar para garantir a aplicação das leis religiosas. O atual presidente do Irã, Ibrahim Raisi, é acusado de endossar o massacre de prisioneiros políticos em 1988.

O Talibã é um grupo religioso pertencente à minoria pashtun, que emergiu das escolas religiosas conhecidas como madrassas após a retirada da União Soviética. A Arábia Saudita forneceu o financiamento para expandir o Islã sunita. Essa participação facilitou os contatos mantidos em Doha entre os Estados Unidos e o Talibã para a assinatura do Acordo para Trazer a Paz, em 29 de fevereiro de 2020, com o compromisso de retirar as tropas norte-americanas em troca de evitar que o Afeganistão se torne novamente um santuário para o terrorismo.

Donald Trump comprometeu-se a acabar com a guerra durante a sua campanha eleitoral, e Joe Biden manteve essa promessa diante do cansaço da opinião pública de continuar a apoiar uma guerra distante sem antever um horizonte. Os ataques às Torres Gêmeas, que serviram de pretexto para a intervenção em 2001, já não justificavam o elevado nível de despesas para sustentar um regime acusado de corrupção. Nesta ocasião, como durante a Guerra do Vietnã, a opinião pública americana impulsionada pelos grupos pacifistas foi quem desempenhou um papel decisivo na decisão de abandonar a batalha e deixar os aliados à sua sorte. No Vietnã, assim como no Irã, os vencedores desencadearam campanhas de terror contra os colaboradores. Em ambos os casos, os mesmos grupos que condenavam as atrocidades do exército americano permaneceram calados diante dos crimes dos vencedores.

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O Talibã não é um governo legítimo eleito pelo povo. Os integrantes desse exército irregular foram capazes de subjugar as forças afegãs porque acreditam ser portadores de um mandato divino que os ordena a estabelecer a lei de Alá e destruir os infiéis. A queda do Afeganistão mostra mais uma vez a fragilidade da mensagem de igualdade da democracia frente diante da crescente coalizão de forças externas que favorecem os regimes autoritários, com a complacência dos detratores internos outrora conhecidos como idiotas úteis.

*Por Felipe Frydman – Diplomata.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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