Inverno nuclear

*Por Rodrigo Lloret – Cientista Político. Doutor em Ciências Sociais. Diretor da Perfil Educação

Inverno nuclear
Chernobyl, Ucrânia (Crédito: Brendan Hoffman/ Getty Images)

Somente a mente brilhante de Eric Hobsbawm poderia definir com tanta simplicidade e contundência, ao mesmo tempo, a loucura que o mundo experimentou durante a Guerra Fria, e agora, será que teremos um futuro inverno nuclear?

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“Um confronto nuclear permanente baseado na premissa de que apenas o medo da ‘destruição mutuamente assegurada’ (corretamente resumido em inglês com a sigla MAD, ‘louco’), impediria qualquer um dos dois lados de dar o sinal, sempre pronto, de a planejada destruição da civilização. Não aconteceu, mas durante quarenta anos foi uma possibilidade diária”, disse o historiador britânico em History of the Twentieth Century.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, várias gerações viveram com medo de que o “botão nuclear” desencadeasse um confronto planetário que poria fim à própria espécie humana. Não era um medo infundado, era uma realidade palpável diante do confronto bipolar que os Estados Unidos e a União Soviética desencadearam por décadas. Só a queda do Muro de Berlim pôs fim a um terrível pesadelo. Até agora.

Nos dias de hoje, a humanidade enfrenta uma ameaça que nos obriga a prestar atenção à loucura advertida por Hobsbawm, enquanto Vladimir Putin desafia qualquer lógica de racionalidade. Porque Putin nunca poderia começar uma guerra às portas da Europa. Mas ele fez. Putin nunca poderia anexar território da Ucrânia. Mas ele fez. Putin nunca será capaz de desencadear o terror nuclear. Mas será?

O último chefe da KGB soviética, o ex-campeão russo de luta e judô, o chefe das poderosas Forças Armadas da Federação Russa ordenou esta semana que o arsenal de dissuasão nuclear fosse colocado em “regime de serviço especial”. Este é um status militar que não ocorreu desde o desaparecimento da URSS.

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Ao mesmo tempo em que o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, alertava sobre as consequências de tal desastre, após o Exército russo assumir o controle da maior usina nuclear da Europa: “Será o fim de tudo”.

Não é a primeira vez que Putin desafia em uma chave nuclear. Em World Order 2018, documentário produzido pela televisão estatal russa, o homem que controla o Kremlin desde o final do século passado, tornando-se assim o líder mais antigo em Moscou desde a queda de Stalin, antecipou qual seria sua resposta se ele se sentiu ameaçado.

“É claro que seria uma catástrofe global”, reconheceu Putin. Mas não seríamos os instigadores dessa catástrofe, porque nós, russos, não realizamos ataques preventivos. Estaremos esperando por alguém para usar armas nucleares. A vingança será inevitável e o agressor será destruído. Mas nós, russos, iremos para o céu como mártires e eles morderão o pó.”

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Este é um cenário perturbador. Porque as potências ocidentais, que, diga-se, não se deram ao trabalho de enviar vacinas contra o coronavírus para a Ucrânia – apenas 35% da população está imunizada e é o país do Leste Europeu que sofreu o maior número de mortes por habitante – agora eles estão se esforçando para entregar armas sofisticadas a Kiev para alimentar uma louca corrida armamentista que nunca será a solução para a paz.

Por sua vez, a decisão do Ocidente de congelar os ativos do Banco Central da Rússia e isolar os bancos russos do sistema financeiro internacional, excluindo-os do mecanismo de pagamento SWIFT, deixa as finanças de Moscou à beira do colapso, com o rublo sofrendo uma depreciação histórica e uma economia cada vez mais próxima da inadimplência.

Nesse contexto delicado, embora Putin avance em sua estratégia militar de invasão da Ucrânia, a que está cada vez mais encurralada é a própria Rússia. E, vale esclarecer, o que está encurralado é o país com o maior número de ogivas nucleares do mundo, segundo o último relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI).

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Acontece que, como o Boletim do Cientista Atômico publicou esta semana, a Rússia tem atualmente 5.977 ogivas nucleares. superando a OTAN, que soma 5.943 (Estados Unidos 5.428, França 290, Grã-Bretanha 225), enquanto a China tem 350, Paquistão 165, Índia 160, Israel 90 e Coreia do Norte 20.

Para dimensionar o poder excessivo que cada um desses instrumentos atrozes possui, devemos lembrar que as bombas atômicas lançadas na Segunda Guerra tinham entre 15 ou 20 quilotons, enquanto as ogivas nucleares de hoje podem ter mais de mil quilotons. Cada quiloton equivale a mil toneladas de TNT.

Mas, apesar da bravata de Putin, nem a URSS nem sua sucessora, a Federação Russa, usaram armas nucleares até agora. Deve-se notar que os Estados Unidos foram o único país do mundo que lançou bombas atômicas sobre civis. As cidades de Hiroshima e Nagasaki são o triste exemplo da tragédia que representa uma arma com tamanha capacidade destrutiva: causaram mais de duzentas mil mortes e um número ainda maior de feridos pelos quais continuaram sofrendo radiação por vários anos.

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As fotos dos cogumelos atômicos subindo ao céu japonês mostram a gravidade do que agora está sendo posto em jogo diante de uma possível guerra nuclear. É que, além das fatalidades diretas decorrentes dos ataques, ocorreria um “inverno nuclear” em todo o mundo, que acabaria com a vida humana.

A teoria surgiu de um estudo de Paul Crutzen e John Birks publicado em 1982 e intitulado The Atmosphere After Nuclear War. Crepúsculo ao meio-dia. O químico holandês ganhador do Nobel e o biólogo inglês formado na Universidade de Cambridge previram que um confronto atômico global causaria grandes incêndios em todo o planeta, o que geraria uma alta densidade de fumaça espessa nas camadas inferiores da atmosfera, produzindo uma cortina que impediria a chegada da luz solar à superfície. O efeito teria consequências desastrosas para o clima e afetaria todas as espécies, gerando uma nova era glacial por décadas, que acabaria com todos os tipos de vida planetária.

As investigações que alertavam para um temível “inverno nuclear” se multiplicaram nos anos oitenta a ponto de promover uma forte rejeição na opinião pública mundial ao fantasma atômico, o que obrigou Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev a assinarem diferentes Tratados de Não Proliferação Nuclear entre os Estados Unidos Estados Unidos e a URSS com o objetivo de desativar os arsenais apocalípticos.

Albert Einstein é talvez o nome mais associado ao desenvolvimento nuclear. Sua famosa fórmula, que afirma que a energia (E) é igual à sua massa (m) multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado (c2), tornou possível produzir a arma mais mortal já criada pelo homem. Mas o físico alemão de origem judaica que conseguiu escapar do nazismo se arrependeu do que ajudou, sem querer, a produzir e tornou-se um militante pacifista que, depois de testemunhar o horror atômico, sintetizou em poucas palavras o horror que agora retorna.

“Não sei com que armas a terceira guerra mundial será travada”, alertou o cientista mais popular do século XX. Mas o quarto será com paus e pedras”.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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