Os comandantes da América Latina

O fim da Guerra Fria afastou as possibilidades de intervenções militares, mas trouxe consigo uma nova forma de alterar as normas democráticas por meio da manipulação das instituições, como os atuais casos da Venezuela e da Nicarágua, cujo modelo “revolucionário” se baseia no modelo cubano dos anos 60, justificado na “luta revolucionária permanente”

Os comandantes da América Latina
Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (Crédito: Hector Vivas/Getty Images)

Os nomes dos comandantes da América Latina Fidel Castro Ruz, Hugo Chávez e Daniel Ortega ressoaram diversas vezes no Palácio Nacional onde se realizou o VI Encontro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Os presidentes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, da Venezuela, Nicolás Maduro, e o ministro das Relações Exteriores da Nicarágua, Denis Moncada Colindres, não deixaram de invocar seus comandantes para justificar as suas políticas como se a recorrência às dragonas fizesse parte da épica revolucionária e anticolonial.

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A inevitável reação de Paraguai, Colômbia e Uruguai à presença de Nicolás Maduro deu um tom de cor aos monólogos das autoridades presentes, mas também mostrou as tensões criadas pela tentativa de forçar o reconhecimento de governos cuja legitimidade é questionada. A diplomacia mexicana patrocinou a chegada sub-reptícia de Nicolás Maduro para mostrar seu princípio de não julgar os governos, com base no princípio da “não ingerência nos assuntos internos”, mas não respeitou as posições de outros países que não compartilham dessa visão negligenciada sobre a democracia e os direitos humanos.

O presidente López Obrador também aprofundou o tema em seu discurso de abertura ao promover uma comunidade econômica, incluindo os Estados Unidos e o Canadá, na qual fosse respeitada a soberania, a não intervenção e a autodeterminação dos povos e que, em caso de divergências, as submetesse a consideração no âmbito das Nações Unidas. López Obrador estendeu assim um manto de proteção às violações das normas democráticas ou tentativas de permanecer no poder indefinidamente. Essa visão das relações entre os Estados implica uma mudança em relação ao momento em que a Carta Democrática Interamericana foi assinada em 11 de setembro de 2001 e o Compromisso Democrático do Mercosul em 25 de julho de 1996.

Esses documentos democráticos foram preparados tendo em vista o passado da América Latina, quando as Forças Armadas interrompiam processos democráticos para estabelecer governos de direita. O fim da Guerra Fria afastou as possibilidades de intervenções militares, mas trouxe consigo uma nova forma de alterar as normas democráticas por meio da manipulação das instituições, como os atuais casos da Venezuela e da Nicarágua, cujo modelo “revolucionário” se baseia no modelo cubano dos anos 60, justificado na “luta revolucionária permanente”. A defesa da democracia passa, então, a depender da cor; sem critérios objetivos, cai-se na armadilha de se assumir capaz de justificar algumas violações e punir outras como se as vítimas não fossem todas iguais. A mudança de paradigma constitui um retrocesso para a região, talvez influenciada pelos ventos de questionamento à democracia que sopram do continente asiático.

A unidade regional é a melhor alternativa para superar as dificuldades criadas pela Covid-19, mas também para superar o relativo retraso do continente nas últimas décadas. A integração econômica, como evidencia o documento aprovado pela CELAC, continua sendo uma aspiração discursiva, mas com notável falta de vontade. Apesar dos anos que se passaram, ainda confunde-se a integração com declarações políticas.

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A integração não é de direita nem de esquerda

O presidente López Obrador destacou a conveniência de ter um mercado único para favorecer o desenvolvimento produtivo, aproveitar as vantagens comparativas e reduzir as importações de fora da região para criar condições para o investimento estrangeiro. O Grupo de Puebla já começou sua campanha para minar a “integração neoliberal” com propostas para criar uma CELAC política e social para divertir as ONGs sob sua égide. A CELAC pode ser o veículo para colocar na agenda a integração regional, mas até o momento não parece ter apoio suficiente entre os integrantes da organização.

*Por Felipe Frydman – Diplomático.

*Produção jornalística – Silvina L. Márquez.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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