criminalização de porte e posse

PEC das drogas traz “retrocesso significativo”, diz especialista

Proposta está na pauta desta semana da Câmara; advogadas criticam modelo proibicionista defendido pela proposta

drogas
PEC das drogas será discutida na câmara nesta semana – Créditos: Canva

A PEC das drogas faz parte da agenda da câmara desta semana. Mais especificamente, desta quarta-feira (12), quando será discutida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Aprovada pelo Senado no dia 16 de abril, a proposta é uma resposta do Congresso ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) à discussão sobre a descriminalização do porte de maconha.

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Em termos gerais, a PEC criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de substância ilícita em desacordo com a lei. De acordo com a versão do documento aprovada no Senado, a distinção entre traficante e usuário caberá ao juiz, conforme as circunstâncias de cada caso.

Críticas à PEC das drogas

Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados, entende a PEC como um retrocesso nas políticas de drogas no Brasil. “Esse projeto, que é de autoria de setores conservadores do Congresso Nacional, caminha diretamente rumo a um modelo proibicionista estrito, ignorando décadas de evidências que mostram a ineficácia desse tipo de abordagem“, explica.

No panorama mundial, a guerra contra as drogas permanece divida. Por um lado, a Alemanha legalizou o uso recreativo da maconha em quantidade limitada no início deste ano. Ao mesmo tempo, o estado de Oregon, nos Estados Unidos, reverteu sua decisão de descriminalizar todas as drogas. Similarmente, Amsterdã reduziu o número de cafés que vendem maconha e produtos compostos pela droga. O argumento principal é a segurança pública.

Para Vlavianos, a proposta – do jeito que está – reforça as fragilidades e injustiças do sistema brasileiro. “Ela poderá agravar ainda mais a superlotação do sistema prisional, já extremamente crítico, e perpetuar a criminalização de usuários, que muitas vezes são tratados como criminosos em vez de pacientes que necessitam de tratamento e apoio. Essa política conservadora desconsidera a tendência global de descriminalização e políticas de redução de danos, focando em uma abordagem punitiva que falha em atacar a raiz do problema das drogas, que é fundamentalmente uma questão de saúde pública”. 

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Especialistas ouvidos pela Folha de S. Paulo apontam que a reversão da lei em Oregon estava no caminho certo, mas foi realizada sem articulação com políticas sociais. “Foi o que aconteceu em Oregon. Temos uma abertura maior para drogas, mas falta apoio social e de saúde. Essa não é uma boa receita”, disse Ian Hamilton, pesquisador da Universidade de York, no Reino Unido.

Theshia Naidoo, diretora de política externa da ONG americana Drug Policy Alliance, enfatiza a relação com o aumento de pessoas em situação de rua. “Usar Oregon como exemplo do fracasso de descriminalização é uma manipulação da realidade. O que houve foi falta de investimento e atraso no envio de verbas para oferecer os serviços necessários para dar apoio à população”, afirmou.

A critério do juiz

Outro ponto de preocupação é a falta de critérios oficiais para distinguir traficante de usuário em julgamento. Maira Scavuzzi, advogada especialista em Direito Constitucional e Penal, traz algumas das consequências deste mecanismo.

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“A Lei de Drogas que vige já não traz critérios para a distinção entre usuários e traficantes, deixando a avaliação a cargo do juiz. A falta de parâmetros legais objetivos (que o STF insinuou introduzir, quando se referiu à quantidade, e que a PEC volta a eliminar) é ruim, pois dá espaço para que preconceitos inautênticos ganhem protagonismo”, alerta.

“Temos, assim, decisões completamente opostas para casos muito similares, em que, geralmente, as únicas diferenças são a cor da pele, a condição social e o endereço do réu. Os juízes precisam de parâmetros a seguir, para que não predomine esse tipo de arbítrio odioso. Em resumo, o problema não é que o juiz avalie, mas a falta de critérios uniformes e legítimos ao fazê-lo”, explica.

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre 2022, o número de pessoas negras presas no país foi o maior registrado desde 2005. O levantamento mostra que quase 70% da população encarcerada é preta, porcentagem que representa mais de 442 mil pessoas.

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Além disso, o sistema segue operando acima de sua capacidade. Em 2022, contava com 826 mil encarcerados, quantia 230 mil acima do planejado.

Próximos passos

Na CCJ da Câmara, o relator da PEC é o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP). A expectativa é que algum dos deputados peça vista, adiando a votação do tema por mais sessões do plenário da Câmara. Se for aprovada na CCJ, a PEC segue para análise do plenário e, em seguida, promulgação no Senado e na Câmara e, depois disso, será publicada no Diário Oficial sem voto da presidência.

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