Vacinas: UE questiona pedido de Biden para suspender patentes

A União Europeia acredita que o que os EUA deveriam fazer é permitir as exportações de seu território, em vez de ignorar sua propriedade intelectual

A União Europeia (UE) enviou ontem uma mensagem clara a Joe Biden: se quer que a vacina avance mais rapidamente nos países pobres, é preferível que permita a exportação de vacinas do seu território, o que hoje enfrenta várias barreiras, ao invés de abrir um debate sobre a suspensão temporária de patentes, uma questão complexa que deve ocorrer no longo prazo.

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Os chefes de Estado e de Governo da UE concluíram ontem uma cimeira de dois dias na cidade portuguesa de Porto, com diferentes mensagens dirigidas aos Estados Unidos. “Somos a farmácia do mundo”, afirmou a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, após solicitar que qualquer discussão sobre a proteção da propriedade intelectual seja abordada com uma “visão de 360 graus”, que leve em conta os esforços de produção e exportação assumidos pelos 27 membros da União.

A suspensão de patentes “não é uma solução mágica”, acrescentou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Generosidade. Desde que Biden anunciou seu apoio à liberalização das patentes na quarta-feira (12), a UE tem se esforçado para destacar que os Estados Unidos nem o Reino Unido quase não têm exportado vacinas, enquanto o bloco europeu o tem feito no mesmo nível em que as distribuiu entre os seus próprios cidadãos.

Das 400 milhões de doses já produzidas na UE, cerca de 50% foram para 90 países, sublinhou Von der Leyden, que anunciou ontem um novo contrato com a Pfizer-BioNTech para garantir até 1,8 bilhões de doses, ou seja, mais do que as suas necessidades.

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A UE considera que a produção e exportação de vacinas nas fábricas existentes é o melhor meio para responder rapidamente à demanda mundial e sublinha que é “a única região democrática” que exporta tantas vacinas.

O presidente da França, Emmanuel Macron, defendeu que a UE tem sido a região “mais generosa” durante a pandemia, e instou os Estados Unidos a assumirem compromissos equivalentes e a acabarem com a “proibição de exportação” de vacinas e componentes antes de abrirem debates que são para o longo prazo.

“Peço muito claramente aos Estados Unidos que acabem com as proibições de exportação de vacinas e componentes porque isso impede a produção (em outras regiões)”, disse Macron, que revelou que há laboratórios na Europa que lamentam não poder produzir “porque os componentes estão bloqueados” nos Estados Unidos. “A chave para atender mais rapidamente às necessidades de vacinação dos países pobres é produzir mais, portanto, retirem as proibições”, afirmou.

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Durante meses a UE resistiu abrir o debate sobre a necessidade de suspender a proteção intelectual das vacinas contra o coronavírus, conforme haviam solicitado em outubro a Índia e a África do Sul, mas o gesto de Biden nesta semana, endossando uma suspensão temporária de patentes, forçou os 27 a abordar este assunto em Porto.

Von der Leyen, que dias antes disse “não ser nada amigável” à suspensão das patentes, abriu a porta “para iniciar a discussão” após o anúncio de Washington, embora o bloco sustente que não vê essa possibilidade como uma solução efetiva no curto prazo.

“Temos sido mais lentos do que outros (nas campanhas de vacinação) porque fomos imediatamente abertos, essa é a realidade. Das 400 milhões de vacinas produzidas na Europa desde o início da crise, exportamos 200 milhões”, frisou Macron.

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Por sua vez, a chanceler alemã, Angela Merkel, deixou claro aos seus parceiros europeus que não acredita que a liberalização de patentes “seja a solução para disponibilizar as vacinas a mais pessoas” e questionou que isso serviria para obter “mais e melhores vacinas”.

“O que precisamos é da criatividade e da inovação das empresas”, disse Merkel.

Na mesma linha, o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, considerou que a suspensão de patentes “não garante a produção de vacinas, que é um processo complicado que exige tecnologia, meios, organização”, mas também relativizou, lembrando dos lucros dos laboratórios.

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“Há milhões de pessoas morrendo no mundo e há empresas farmacêuticas que têm produzido com subsídios estatais importantes, então seria compreensível se algo lhes fosse pedido em troca”, refletiu o ex-presidente do Banco Central Europeu, para quem a questão é “complexa” porque mais elementos entram em jogo.

Mentiras. Macron lembrou que a União Europeia foi criticada pela morosidade do processo de vacinação, que deveu-se a que “fomos mais abertos e não agimos como os norte-americanos que guardaram para si tudo o que produziram desde o começo”.

Nos últimos meses, frisou o presidente francês, os Estados Unidos exportaram apenas 5% de sua produção, apenas para fornecer “algumas doses” aos países vizinhos, Canadá e México, mas sem nenhum envio para os países vulneráveis.

Para Macron, quem afirme, neste momento, que alguém não tem acesso a uma vacina por causa das patentes está expondo “uma mentira”, já que os obstáculos são outros: a falta de produção por obstáculos à exportação e à transferência de tecnologia.

O líder francês disse ser favorável à análise de soluções de longo prazo que passem pela suspensão de patentes, porque pode ser uma opção “totalmente relevante para o futuro”, mas insistiu que “não responde ao problema que temos hoje”.

“Temos de trabalhar para que a vacina seja um bem público global”, frisou, e, ao referir-se ao mecanismo Covax da OMS, que envia vacinas aos países mais vulneráveis, lembrou que Bruxelas a considera uma importante ferramenta para impedir a propagação da pandemia.

Macron terminou com uma mensagem clara para Biden: “A UE é o primeiro doador da plataforma Covax. Só espero uma coisa e é que os Estados Unidos nos superem. Por enquanto não é o caso, mas espero que aconteça”.

O Papa apoia Washington

Agências

O Papa Francisco juntou-se ontem às vozes dos líderes mundiais que pedem a liberação de patentes para vacinas contra o coronavírus para favorecer o fornecimento a países com menos recursos.

“Uma variante desse vírus é o nacionalismo fechado, que impede, por exemplo, um internacionalismo das vacinas. Outra é quando colocamos as leis do mercado ou da propriedade intelectual acima das leis do amor e da saúde da humanidade”, afirmou Francisco, em mensagem enviada aos organizadores de um concerto a favor de uma vacinação mais rápida e justa contra o coronavírus em todo o mundo.

“Outra variante é quando criamos e promovemos uma economia doentia, que permite que uns poucos muito ricos possuam mais do que todo o resto da humanidade e que modelos de produção e consumo destruam o planeta, a nossa casa comum”, acrescentou.

“O coronavírus tem causado morte e sofrimento, afetando a vida de todos, principalmente a dos mais vulneráveis. Imploro que não nos esqueçamos dos mais vulneráveis. Não nos esqueçamos do limite”, complementou.

“Além disso, a pandemia tem contribuído para o agravamento das crises sociais e ambientais existentes, como vocês, jovens, sempre nos lembram. E fazem bem em lembrar disso”, disse o Papa.

Francisco insistiu na necessidade de “um espírito de justiça que nos mobilize para garantir o acesso universal à vacina e a suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual”.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina

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