Quem é Volodimir Zelensky, o humorista que virou general

*Por Claudio Fantini

Quem é Volodimir Zelensky, o humorista que virou general
Volodimir Zelensky (Créditos: Reprodução/ Redes sociais)

Vladimir Putin não chora como a máscara que representa a tragédia, mas seu rosto gelado parece mais drama do que comédia, representado pela máscara que ri, combina o general Volodimir Zelensky. Ambos se parecem com as máscaras com que os gregos representavam o teatro.

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Antes de se tornar presidente da Ucrânia, Zelensky era um comediante cujos filmes e programas de TV arrancavam risos, enquanto antes de assumir o Kremlin, Putin era um agente da KGB de quem dois países desapareceram: a União Soviética, o país daquele que trabalhou como um espião, e a República Democrática da Alemanha, país onde trabalhou como agente da KGB.

O imenso vazio que o Estado e o salário pago por esse Estado desapareceram, com o desaparecimento do regime cuja polícia política, a Stasi, era o aparelho de inteligência com o qual colaborou como destacado agente soviético na cidade de Dresden, foi o drama que o levou por um caminho em que enfrentou outros dramas: o separatismo caucasiano, o terrorismo ultra-islâmico ocupando uma escola em Beslan, a tomada de reféns no teatro de Dubrovka, o naufrágio do submarino Kursk no mar de Barents e a sangrenta guerra civil na Síria, entre outros.

Nunca Vladimir Vladimirovich Putin teria imaginado que, no palco do que poderia ser a pior tragédia europeia desde a Segunda Guerra Mundial, ele teria um ator cômico co-estrelando o drama.

Aquele jovem sem experiência política, que chegou ao poder com uma comédia de televisão na qual interpretou um professor de história que se tornou presidente quase por acaso, acabou co-estrelando o eletrizante capítulo da história europeia que deixa o mundo no limite.

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Servidor Público era o nome do programa que fazia os ucranianos rirem alto ao caricaturar políticos e seus mangás para se enriquecerem com a corrupção. Ele deu o mesmo nome ao partido que fundou para enfrentar a classe dominante ucraniana inepta e corrupta nas urnas, do lado pró-europeu.

Nesse espaço que expressa desconfiança e medo em relação a Moscou, além do cansaço com a gravitação russa sobre a Ucrânia, os confrontos entre o presidente Viktor Yushchenko e a primeira-ministra Yulia Timochenko, arruinando o primeiro governo pró-europeu que tornou possível o chamado A Revolução Laranja contra governos pró-Rússia abriu caminho para novas figuras como Zelensky. E seu rosto, adequado para caras engraçadas e sorrisos contagiantes, foi confrontado com o rosto gelado e sem emoção que o chefe do Kremlin carrega como uma arma intimidadora.

Com aquele olhar de lobo siberiano, ele foi de São Petersburgo ao Kremlin. Deixando de lado figuras fortes como Boris Nemtsov, Sergei Stepashin e Nicolai Aksenenko, Boris Yeltsin o escolheu como seu sucessor quando deixou a presidência, porque viu nele a astúcia e a determinação necessárias para ajudá-lo a deixar a presidência sem ir ao banco .os acusados ​​de casos de corrupção.

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Enquanto Yeltsin protagonizou jornais por ficar bêbado e passou de convalescença em convalescença devido a problemas cardíacos, sua filha Tatiana deixou suas impressões digitais em negócios escandalosos. É por isso que ele precisava de alguém para cuidar de suas costas para que ele pudess
e deixar o poder.

Putin desempenhou esse papel com perfeição e pagou por seus serviços assumindo o Kremlin. Desde que chegou à sede do palácio localizado entre o rio Moskva, a Praça Vermelha e a Catedral de São Basílio, o ex-agente da KGB começou a mostrar astúcia e frieza ao tomar decisões.

O exército russo, que havia sido derrotado no Afeganistão na fase final da era soviética, acabava de ser derrotado na Chechênia pelo movimento de independência liderado pelo general Dudayev. Mas Putin o enviou de volta à pequena república caucasiana, desta vez com ordens de deixar a terra arrasada. E foi isso que ele fez para prevalecer.

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Com a mesma frieza, o presidente russo ordenou um ataque aos terroristas comandados por Movsar Barayev que ocupavam o teatro Dubrovka, no coração de Moscou. Era outubro de 2002 e quase mil pessoas, incluindo o público, dançarinos, coreógrafos e funcionários de sala, estavam presos à mercê de jihadistas insanos prontos para cometer um massacre de arrepiar os cabelos. Então o presidente ordenou o envio de comandos da Spetsnaz, as forças especiais, para recuperar a sala a qualquer custo. E o custo incluiu 130 reféns mortos.

O outro drama que Putin resolveu tragicamente ocorreu dois anos depois, na Ossétia do Norte, quando cerca de trinta terroristas muçulmanos ocuparam uma escola na cidade de Beslan, levando professores e crianças como reféns. No assalto realizado pelas forças de segurança por ordem do presidente russo, os jihadistas foram aniquilados, mas ao preço de mais de trezentas mortes, das quais quase duzentas eram crianças.

A primeira de suas frias decisões não foi “salvar” reféns, mas salvar um segredo militar: a estrutura do submarino nuclear K-141 Kursk, que havia afundado no mar de Barents com 118 tripulantes.

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As unidades de resgate de submarinos britânicos que se ofereceram para resgatar os submarinos russos precisavam, para agir com chance de sucesso, uma espécie de raio-X daquele formidável navio. Mas Putin preferiu guardar o segredo militar e o Kursk acabou sendo um sarcófago de aço com 118 cadáveres no fundo de um mar congelado.

Também custou muitas vidas, chegando às dezenas de milhares, a intervenção das forças militares russas para salvar o sanguinário regime de Bashar al Assad na Síria.

Foi assim que o homem que quer devolver à Rússia a área de influência que controlava durante a era soviética e que não hesita em enviar tanques e tropas para alcançá-lo, passou por cenários dramáticos. O ex-agente secreto que acumulou poder como nenhum antecessor desde a morte de Stalin. O líder que insiste em dar à Rússia uma centralidade internacional que a economia daquele país, por si só, não consegue alcançar. O astuto déspota cujos inimigos morrem de veneno, tiros ou acidentes bizarros ocupa o centro do palco mundial, ao lado de um ator que vem da comédia, mas parece disposto a pagar o preço com sangue e lágrimas.

As duas máscaras de teatro estão no ponto onde convergem os olhares de um mundo em suspense. As musas gregas Talia e Melpomene se opuseram. As cenas se sucedem de forma dramática, aumentando o risco de que levem a uma tragédia.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Notícias, da Editora Perfil Argentina.

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