“Desconhecido”. Esse é o status de muitas das crianças órfãs e feridas na Faixa de Gaza. Ahmed Abu Zariaan, de cinco anos, por exemplo, passou mais de uma semana em um hospital no sul de Gaza sem que alguém o identificasse. Com o rosto desfigurado e envolto em ligaduras, ele era apenas um entre muitas crianças feridas no enclave que foram registradas como “desconhecidas” ou com o acrônimo WCNSF, que significa “criança ferida, sem família sobrevivente”.
Um ataque aéreo israelense dizimou a família de Ahmed enquanto eles viajavam para o sul. Seguindo a ordem do exército israelense para que os moradores da parte norte de Gaza evacuassem para o sul, a família de cinco pessoas deixou Beit Hanoon e dirigiu-se para Rafah, na fronteira com o Egito. Um ataque contra uma casa próxima tirou a vida de todos, exceto da criança de cinco anos.
À Al Jazeera, Nour Lafi, enfermeira do hospital, relatou que o menino ficou na unidade de terapia intensiva por duas semanas após sofrer graves ferimentos. “Seu rosto não estava visível e ninguém o reconheceu. Ele não tinha nome. Ninguém da família dele estava lá. Eu podia ouvi-lo gemendo de dor. Tentamos falar com ele, mas ele não disse uma palavra”, contou ela. Somente depois de dez dias, sua avó o reconheceu.
Samira Abu Zariaan, de 60 anos, teme pelo estado emocional de seu neto. “Ele não tem falado muito. Sua voz treme de medo. Ele está com medo de qualquer som perto dela”, confessou ela à Al Jazeera. “Não sei como Ahmed superará o choque. Esses mísseis destroem pessoas por fora e por dentro. Ele deixou de ser uma criança alegre, travessa e tagarela para se tornar uma criança silenciosa e imóvel”, acrescentou.
A situação das crianças órfãs e feridas em Gaza
Em Gaza, os pais têm escrito os nomes de seus filhos em seus corpos, como forma de identificação caso eles sejam mortos ou feridos. Além disso, quando não há informações imediatas sobre a identidade da vítima, os hospitais lançam alertas nas redes sociais na esperança de que os familiares se manifestem. No entanto, existem casos em que os ferimentos de uma criança são tão graves que até mesmo os pais têm dificuldades de reconhecê-los.
De acordo com a UNICEF, a agência das Nações Unidas responsável pela proteção de menores, cerca de 17 mil crianças estão desacompanhadas ou foram separadas de seus familiares diretos desde o início do conflito em 7 de outubro. Além disso, a ONU estima que em torno de 40% dos residentes em Gaza perderam seus cartões de identificação e outros documentos, o que torna mais difícil reunir as crianças com suas famílias.
Ainda, a agência da ONU indica que aproximadamente 500 mil crianças em Gaza já precisavam de apoio psicossocial e de saúde mental antes do início do conflito. Agora, esse número dobrou para mais de um milhão. A UNICEF aponta que esse é o resultado de “uma guerra contra as crianças”, que transformou Gaza no lugar mais perigoso do mundo para elas.
Vale ressaltar que em meio a crise de saúde mental de crianças órfãs e feridas, suprimentos médicos e alimentares continuam impedidos de entrar em Gaza. Isso acontece porque Israel tem atacado comboios de ajuda que transportam suprimentos. Segundo a ONU, apenas 13 dos 36 hospitais em Gaza estão parcialmente funcionais, operando acima de sua capacidade e enfrentando escassez crítica de suprimentos e combustível.
In📍#Gaza everyone is terrified, especially children.
17,000 children are separated from their families. Children who should be in our schools to learn, not shelter from bombs.
Schools should never be a target. Unfortunately, in #Gaza, they have quite often become just that. pic.twitter.com/4E4v5NMe8r
— UNRWA (@UNRWA) February 15, 2024
*texto sob supervisão de Tomaz Belluomini