PSICOPATIA

“Sou psicopata e quero que a sociedade entenda meu transtorno”, relata mulher

Em entrevista à BBC, advogada estadunidense tenta conscientizar pessoas sobre transtorno de personalidade antissocial; saiba mais

Em entrevista à BBC, advogada estadunidense tenta conscientizar pessoas sobre transtorno de personalidade antissocial; saiba mais.
Jamie L. tenta conscientizar pessoas sobre seu transtorno – Créditos: Arquivo Pessoal

Nos anos 1990, um comercial de TV trouxe um dos primeiros sinais de que a advogada estadunidense Jamie L. — que usa o pseudônimo M. E. Thomas — poderia ter algum transtorno de personalidade. As primeiras impressões surgiram quando ela era apenas uma criança, assistindo a uma campanha contra a fome na África junto ao seu pai.

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A imagem de uma criança muito magra com uma mosca pousada nos olhos, sem esboçar reação, gerou uma observação fria de Jamie. “Nossa, mas que criança burra… Ela não consegue nem afastar uma mosca dos próprios olhos?”, comentou a menina. Esse comentário intrigou seu pai, levantando a primeira suspeita sobre a ausência de empatia da filha.

Aos 12 anos, Jamie teve sua primeira grande revelação. O pai de uma amiga pediu que parasse de bater em sua filha. Jamie ficou surpresa, pois não tinha consciência de suas ações violentas. Seu comportamento era visto como brincadeiras normais, mas, na prática, eram invasões de privacidade e atos de violência.

Comportamentos como invadir casas de conhecidos para mudar objetos de lugar ou arremessar livros nos colegas durante aulas entediantes eram frequentes. Jamie também relatou episódios de jogos de futebol americano sem regras, onde agrediu colegas sem perceber a gravidade de suas ações.

A descoberta do Transtorno de Personalidade Antissocial

Durante a faculdade de Direito, Thomas começou a perceber uma dificuldade em empatizar e engajar-se em atividades que não trouxessem benefícios diretos para ela. No estágio, a convivência com uma colega revelou traços manipuladores de sua personalidade. Isso levou à sugestão de que poderia ser uma sociopata.

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Curiosa, Jamie pesquisou o termo na internet e encontrou uma lista de 20 sintomas elaborada pelo psicólogo Robert D. Hare, identificando-se com vários deles.

“Mas à época não dei muito valor a isso. Achei que essas informações eram apenas uma curiosidade qualquer, como descobrir que você tem algum grau de parentesco com uma antiga rainha da França, contou em entrevista à BBC.

Em 2008, ela se viu passando por novas crises em sua vida, com dificuldades em se relacionar e manter a carreira estável.  “Sempre chegava nesse ponto de não gostar mais do trabalho, de cansar de fingir que era uma boa amiga… Eu precisava parar tudo, porque não me sentia mais interessada, como se aquelas coisas não valessem mais a pena“, relatou.

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Em momentos de incerteza, Jamie criou o blog Sociopath World, onde compartilhava suas experiências anonimamente. O sucesso do blog chamou atenção de uma agente literária, resultando na publicação do livro “Confessions of a Sociopath:  A Life Spent Hiding in Plain Sight” em 2013.

Apenas ao receber a proposta do livro, em 2010, que ela buscou um diagnóstico oficial. “Sabe quando você já suspeita de algo? Para mim, o diagnóstico foi parecido ao caso das mulheres que de certa maneira sentem que estão grávidas e só fazem um teste para confirmar aquilo que já tinham conhecimento”, afirmou.

Veja um de seus relatos:

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A vida após o diagnóstico

Apesar da esperança de que pudesse ser outra condição mais fácil de tratar, Jamie percebeu que teria que conviver e lidar com o transtorno de personalidade antissocial pelo resto da vida. E, por mais que tenha recebido o diagnóstico naquele ano, demorou alguns para que iniciasse um tratamento.

“Aqui nos Estados Unidos, os seguros de saúde só aceitam pagar por terapias que são consideradas efetivas pelas associações da área. E, estranhamente, não existem tratamentos que se encaixam nesse critério para o transtorno de personalidade antissocial”, compartilhou.

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Ela mencionou que recebeu muita resistência e preconceito após a publicação do livro. Foi afastada do seu posto de professora em uma universidade, enfrentando um isolamento que aumentou suas crises de ansiedade.

“Achei absurdo alguém manifestar um incômodo pela minha simples existência. As pessoas me trataram muito mal e desenvolvi uma espécie de transtorno pós-traumático. Durante a noite, eu acordava de súbito, com crises de ansiedade”, contou.

Inspirada pela melhora do irmão, que passou por um tratamento psicológico, ela iniciou sessões terapêuticas focadas em reduzir seu comportamento manipulador, melhorando significativamente suas relações interpessoais.

Jamie acredita em um futuro sem preconceitos

Jamie defende que a sociedade precisa acolher pessoas com transtornos de personalidade. O estigma associado à psicopatia, normalmente vinculado a violência, muitas vezes não reflete a realidade dos indivíduos que vivem com essa condição sem histórico de comportamento criminoso.

A associação Psycopathy Is, criada por pesquisadores para promover estudos e suporte a famílias de psicopatas, reforça que cada indivíduo é único e não deve ser julgado apenas pelo diagnóstico.

“Cada indivíduo com psicopatia possui diferentes atributos e desafios —e a forma como crianças ou adultos com psicopatia se saem na escola, no trabalho ou em ambientes sociais varia bastante”, afirma a entidade.

Jamie acredita que, sem o peso do preconceito, psicopatas poderiam usar sua energia para contribuir positivamente com a sociedade. Ela sonha com uma sociedade mais inclusiva, onde não precise esconder sua verdadeira personalidade e possa viver de forma mais autêntica e livre.

“Se não tivéssemos que mascarar nossos sentimentos, sobraria mais energia para nutrir relacionamentos e propor soluções”, conclui Thomas, defendendo um ambiente que acolha as diferenças e promova a inclusão verdadeira.

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