análise

Minhas sinceras desculpas, Vera Magalhães

Todos nós, jornalistas, mulheres ali presentes, poderíamos ter feito algo para proteger a colega daquele constrangimento grotesco – e não fizemos.

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Momento em que Douglas hostiliza Vera Magalhães (Crédito: Reprodução)

O debate tinha terminado. Estávamos lá, jornalistas, na primeira fila de um auditório do Memorial da América Latina, em São Paulo. Alguns, escrevendo textos, outros, ao telefone, passando para as redações o que tinha sido produzido na noite.

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Do meu lado, a jornalista Vera Magalhães, com uma cadeira vazia de distância, escrevia. De cabeça baixa, concentrada. Eu também rascunhava meu texto para finalizar a matéria. De repente, uma pessoa chega de forma abrupta ao seu lado, com um celular em punho. Aos gritos, começa a perguntar sobre um contrato de trabalho de R$ 500 mil com a TV Cultura, alegando que ela recebia  para falar mal do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ela nega. Chama a segurança. Tenta se desvencilhar. Em vão. Ele continua grudado nela, gritando. Decide levantar e também saca o celular. Faço o mesmo.

Vera, jornalista experiente e destemida, começa a responder ao homem – que, depois, perguntando a colegas, fico sabendo que trata-se do deputado estadual Douglas Garcia, do Republicanos de SP. Soube que veio na comitiva do candidato Tarcísio de Freitas, também do Republicanos.

Chegam seguranças, mas o parlamentar continua o show de ofensas e xingamentos. “Você é uma vergonha para o jornalismo”, berrava a frase já ouvida por Vera (e por todo o Brasil) no mais recente debate da Band.

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Até que chega o jornalista Leão Serva, diretor de jornalismo da TV Cultura e mediador do debate, com uma indignação grande demais para ser contida. Pega o  celular das mãos do agressor e arremessa longe. Uma voz mais alta  e potente decreta que acabou o show. Seguranças conduzem o deputado Douglas Garcia até a saída do Memorial.

No auditório, o clima é de incredulidade. Todo mundo meio paralisado, com uma expressão de quem acabou de assistir a um espetáculo de péssimo gosto, que envolve quebra de decoro, misoginia, desrespeito e falta de civilidade em alto grau. A impressão que fica é que o desrespeito que se observa nas redes, o ringue político de baixo nível que o país se transformou no mundo virtual, hoje, faz parte de uma triste realidade.

Voltei pra casa relembrando detalhes do acontecido e pensando o que poderia ter feito de diferente. Como todos – homens e mulheres – que estavam ali deveriam ter agido diante do agressor. Eu apenas tirei o celular e filmei. Muitos ali fizeram o mesmo. E observaram à cena, imóveis,  enquanto Vera tentava afastar o sujeito. Leão tirou a “arma”, ou seja, o celular, das mãos do deputado e acabou com a palhaçada. Aplausos.

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Lembrei que, uma vez, num ponto de ônibus cheio de gente, aqui em São Paulo, um assaltante chegou na garota mais frágil e a empurrou. Quando ela caiu, tomou o celular da mão dela e saiu correndo. As pessoas demoraram a reagir. Demoraram a ajudar a moça a levantar. Alguns, nem isso: viraram para o lado oposto, como se aquilo não fizesse parte da realidade deles.

Vera está longe de ser uma garota frágil. É uma guerreira, dessas que dão orgulho da profissão que escolhi há 22 anos. Não precisa de defesa. Soube se virar bem diante do grotesco espetáculo de horrores proporcionado por alguém que precisava de ‘holofotes lacradores’ para crescer – em cima de uma mulher, claro. Vera enfrentou de cabeça erguida toda a violência verbal.

Mesmo assim, cheguei em casa sentindo que devia desculpas a Vera. Pesou a sensação de que muitos de nós, jornalistas ali presentes, mulheres, principalmente, deveríamos ter feito algo para dar um basta nas agressões e no constrangimento sofrido pela colega. Desculpa, Vera.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Perfil Brasil.

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