Produzida numa região com bom potencial turístico, a goiaba de Carlópolis (PR) é grande, crocante, saborosa e resistente. Em 2016, ela conquistou o selo de Indicação Geográfica (IG), concedido a produtos reconhecidos por tradição e qualidade, o que os torna únicos no mundo. A IG de Carlópolis atesta a goiaba de dois municípios do Paraná: Carlópolis e Ribeirão Claro. Hoje, 36 fruticultores são associados à Cooperativa Agroindustrial de Carlópolis e dez deles já têm o selo da IG.
A visibilidade e a notoriedade alcançadas com a Indicação Geográfica e também com a certificação Global G.A.P (Good Agriculture Practices), obtida em 2019 e imprescindível para o mercado externo, alavancaram os números da goiaba. Dentro do país, as vendas cresceram 50% em dois anos, quando se compara o primeiro semestre de 2022 ao primeiro semestre de 2020. O destaque maior foi lá fora, pois as exportações cresceram 1142%, um salto de 5,2 toneladas de janeiro a junho de 2020 para 65,2 toneladas no mesmo período deste ano. Inglaterra, Portugal, Canadá e Oriente Médio são os principais destinos.
A gerente de vendas da Cooperativa Agroindustrial de Carlópolis e também produtora de goiaba certificada, Inês Sasaki, tem participado de feiras internacionais. “Eu fui para Espanha. E a gente levou a nossa goiaba. Ficava todo mundo admirado com a qualidade que a gente tem”, se orgulha.
Ela explica que o mercado externo estipula um preço fixo para a fruta maior que o mercado interno que, além de tudo, apresenta oscilação ao longo dos meses. “Em janeiro e fevereiro o preço dentro do Brasil ficou em torno de R$ 2. A partir de maio melhorou o preço e oscilou entre R$ 2 e R$ 3, até que em agosto atingiu R$ 4,50, enquanto, no exterior, foi vendida por R$ 4, de janeiro a agosto, sem qualquer variação.”
Diferenciais
Inês explica que a redução do agrotóxico foi essencial para conseguir exportar o produto. “Todo ano, a gente faz um teste de laboratório com as frutas, para ver se não está constando resíduo e também a água para ver se não está contaminada”. O resultado positivo só foi possível com a técnica do ensacamento, para evitar a mosca da goiaba. “A partir do momento que a gente ensaca, a gente não passa mais nada, ela fica em torno de 60 dias ensacada sem agrotóxicos. Então, a gente faz todo esse trabalho, é manual, é difícil, mas é uma segurança tanto para o produtor como também para o consumidor”, avalia Inês.
Além disso, outros fatores que diferenciam a goiaba de Carlópolis são a espessura da casca e o tamanho da fruta. Segundo o produtor certificado Rodrigo Viana, a crocância do produto vem da casca que é mais grossa e que permite, entre outras coisas, maior tempo de transporte, melhor comercialização, mais espaço na gôndola do mercado e mais resistência. Rodrigo acrescenta que a variedade de goiaba cultivada nessa IG pode pesar em média 500 gramas ou mais e que, devido ao tamanho, é considerada uma goiaba ‘de mesa’.
A tradição da goiaba de Carlópolis vem desde a década de 1970. O pioneiro foi Iwao Yamamoto, que chegou criança ao município paranaense em 1949, junto com outros imigrantes japoneses. Rodrigo explica, entretanto, que a goiaba atual é a vermelha e que a da época de Iwao era a branca.
“Ele fez um cruzamento e deu uma goiaba diferente, era uma goiaba branca, e ele deu o nome de goiaba Iwao. Então, tudo começou aí, essa goiaba Iwao permaneceu até o final da década de 1990, quando já foi dando espaço para esta vermelha”, relembra Rodrigo, que se formou engenheiro agrônomo, foi pesquisador em Londrina e decidiu voltar a Carlópolis para dobrar a quantidade de goiabas produzidas pelo pai dele desde os anos 1980.
Redução do êxodo rural
O presidente do Sebrae, Carlos Melles, ressalta que o fundamento da Indicação Geográfica é fixar a família no campo e valorizar o desenvolvimento do trabalho familiar. E isso realmente tem acontecido nos locais com produtos de selo IG.
É o caso das produtoras Inês Sasaki e Leiko Kawasaki. Ambas são descendentes de japoneses, foram morar um tempo no Japão, mas regressaram para plantar goiaba, com a perspectiva do comércio exterior. “Eu fiquei numa fábrica de peças de carro da Honda. O meu trabalho lá foi maravilhoso. Fiquei 14 anos, comprei essa propriedade, eu voltei, então, estou aqui tentando trabalhar, criar meus filhos”, conta Leiko.
O grande interesse na exportação se justifica pelo fato de que o mercado externo estipula um preço fixo para a fruta maior que o mercado interno que, além de tudo, apresenta oscilação ao longo dos meses.
“Em janeiro e fevereiro o preço dentro do Brasil ficou em torno de R$ 2, em março caiu para R$ 1, em abril R$ 1,50, a partir de maio melhorou o preço e oscilou entre R$ 2 e R$ 3, até que em agosto atingiu R$ 4,50; enquanto no exterior foi vendida por R$ 4, de janeiro a agosto, sem qualquer variação”, explica a gerente de vendas da Cooperativa Agroindustrial de Carlópolis, Inês Sasaki.
Sebrae
“A goiaba chega bem na Europa, o pessoal gostou muito da proposta da goiaba lá, que é considerado um produto exótico”, ressalta o consultor do Sebrae Paraná Odemir Capello.
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) – tanto o nacional quanto os estaduais – tem ajudado a mapear e a implementar as Indicações Geográficas pelo Brasil. Atualmente, já são 92 devidamente reconhecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
A analista de inovação do Sebrae Nacional, Hulda Giesbrecht, explica que 69 são da modalidade indicação de procedência, que tem o registro baseado na reputação da região em produzir determinado produto, e 23 são da modalidade denominação de origem, em que se há uma comprovação por estudo técnico científico das características e qualidades do produto com os fatores naturais e humanos da região. No caso da IG Carlópolis, a goiaba é uma Indicação de Procedência.
As Indicações Geográficas foram reconhecidas a partir da lei da propriedade industrial em 1996. “Você reúne todas as informações de conhecimento tradicional de produção de um produto, toda a história de produção e isso é documentado e levado ao INPI, que reconhece esse registro. A partir daí os produtores que estão instalados nessa área demarcada e que produzem de acordo com o que está definido no caderno de especificações técnicas do produto têm o direito de usar o selo da Indicação Geográfica”, afirma Hulda.
De acordo com o diretor de Marca, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas do INPI, Felipe Augusto de Oliveira, a IG é o ativo de propriedade intelectual mais sofisticado que existe. “Permite que o produto tenha um diferencial competitivo, principalmente com relação a valor premium que pode ser colocado neste produto no mercado – ou seja, a gente tem uma tendência de elevação, a partir do momento que o produto recebe uma Indicação Geográfica, em torno de 20 a 50%.”
Gastronomia e turismo
A região denominada norte pioneiro do Paraná, que inclui Carlópolis e Ribeirão Claro, tem a IG da goiaba e também a IG do café, além de uma represa com paisagens naturais que impressionam os visitantes. Em dezembro de 2019, foi instituída por lei como Área Especial de Interesse Turístico e chamada oficialmente de Angra Doce, em comparação à beleza da marítima Angra dos Reis (RJ). Angra Doce, por sua vez, compreende o reservatório da Usina Hidrelétrica de Chavantes e seu entorno, nos estados do Paraná e de São Paulo.
Um dos locais que oferecem atividades de lazer, aventura e contemplação é a Estância Pedra do Índio, em Ribeirão Claro. A gerente administrativa da Estância, Edilaine Faganelli Hernan, descreve a paisagem: “são várias ilhas, ela é bem montanhosa, o que deixa mais bonito e mais parecido com Angra dos Reis”.
A Estância também oferece voo de parapente e a maior tirolesa do Paraná, com um quilômetro de extensão e 128 metros de altura. A Pedra do Índio que dá o nome à Estância, é uma pedra que tem o formato do rosto de um índio e foi esculpida por eventos naturais ao longo dos anos.
O consultor do Sebrae Paraná Odemir Capello destaca a relação das Indicações Geográficas com o turismo. “A rota das IGs, nós já estamos pensando nisso, como uma forma também de agregar valor às pequenas propriedades. Na Itália, na região da Emilia Romagna, que tem aproximadamente 400 indicações geográficas, é possível ver os produtos sendo consumidos”.
E já existem empreendedores criativos em Carlópolis que aproveitam o potencial turístico-gastronômico da goiaba, do café e da represa em seus negócios.
Bernadete Garcia Ribeiro Dyniewicz é proprietária do Parque Vila do Café, um sítio à beira da represa que pertence à família dela desde a década de 1950 e que hoje é aberto a visitantes, com agendamento. Quitutes de goiaba e de café deixam o passeio dos visitantes ainda mais atrativo. O paisagismo também é destaque no Parque Vila do Café, onde foram plantadas 3 mil mudas de 20 espécies nativas, além do jardim das rosas, com 2 mil pés de rosa. “Com certeza o café e a goiaba estão sendo uma uma mola propulsora do turismo na região. E a gente vê que a situação social da população está melhorando bastante, isso é muito gratificante”, observa Bernadete.
Graduado em Tecnologia da Informação (TI) em Curitiba, Rodrigo Amaral largou o trabalho em uma empresa de TI na capital paranaense e voltou a Carlópolis, cidade natal, para ajudar o pai, proprietário do Caldo de Cana Amaral. Ele acreditou no potencial dos produtos com Indicação Geográfica e criou o pastel Romeu e Julieta, recheado de goiabada e queijo, mas com a inusitada massa de café. “Junto com o fornecedor de massa, nós fomos chegar nesse ponto, deu um pouco de trabalho, às vezes ficava muito forte, às vezes muito fraco, até equilibrar mesmo o gosto do café”, relembra Rodrigo. Ele já chegou a vender mais de 2 mil pastéis em um final de semana. Antes de criar novos sabores regionais, vendia em torno de 150 no máximo.
O casal Agostinho João Longo e Rosana Menegon Longo decidiu, há dois anos, dar um destino às frutas maduras desperdiçadas em Carlópolis. Eles criaram uma cachaça de goiaba e aproveitam a qualidade dos recursos hídricos da região para garantir o bom destilamento. Rosana explica que a água tem que ser sem cloro e que na casa onde vivem e em que funciona a Cachaçaria G&R a água é da mina. “A gente andava e via um monte de goiaba perdida e daí a gente sabe que o destilado americano é feito com fruta e a goiaba foi o carro chefe porque tem muito açúcar”, complementa Agostinho.