Recentemente, fomos chamados à atenção pela mídia de que em 2020, durante a pandemia, tivemos aproximadamente 30 mil alunos no Estado de São Paulo que abandonaram os estudos, o que corresponde a 0,4% do total de alunos matriculados no Estado naquele ano, entre os anos iniciais do Ensino Fundamental (5.414.208 estudantes) e o Ensino Médio (1.533.097 estudantes).
Mas esse número de alunos é muito inferior ao que foi registrado em 2019, quando este percentual foi de 1,2%, o que corresponde a aproximadamente 69 mil alunos. Essas taxas são exclusivamente localizadas entre as escolas públicas (Estaduais e Municipais). Os dados do INEP relativos às escolas da rede particular de ensino, com 1.377.717 estudantes (Ensino Fundamental e Médio), indicam a manutenção de 0% de evasão no Estado de São Paulo, tendo apenas 0,3% de evasão, localizada na zona rural do estado em 2020 (INEP, 2020).
O que esses dados de 2020 revelam? Houve subnotificação dos dados? Os dados foram divulgados muito cedo? Ou realmente houve uma considerável queda na evasão escolar na rede pública de ensino? A que se deve esse movimento? Terá havido uma redução dessa evasão pelo fato de as famílias estarem mais perto no acompanhamento durante o ensino remoto? Estas são algumas das questões a serem pesquisadas para que tenhamos ações precisas a partir de uma compreensão real e clara da situação.
Ao examinarmos o número de alunos matriculados em 2019 (6.961.093 estudantes) e 2020 (6.947.305 estudantes), percebemos que não houve diferença importante. Então, aparentemente, se olharmos os dados percentuais podemos ser levados a entender que houve uma redução na taxa de evasão. O que pode ser bastante perigoso em relação às políticas educacionais que serão realizadas com base nos números, e, mais ainda em relação à informação transmitida para a sociedade.
Outra questão que pode ser levantada é que, pelo fato de que os alunos estiveram com atividades ou ações educacionais remotas, eles necessariamente não tiveram que “abandonar” a escola, apenas deixar de estudar. Mas essa hipótese é falsa, uma vez que a avaliação da aprendizagem foi também prejudicada pela pandemia e os índices refletem altas taxas de aprovação, bem como dados levantados pela Pesquisa Nacional de Amostra Continua – Pnad, apontado em pesquisa realizada pela UNICEF em 2021.
Em 2021, a UNICEF também realizou uma pesquisa no Brasil intitulada “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, que teve como foco três fenômenos que geram a cultura do fracasso escolar – a reprovação, o abandono escolar e a distorção idade-série
Em relação à reprovação escolar, a pesquisa da UNICEF apresenta dados que revelam um grande desafio nacional, pois aponta, a partir dos dados do Censo Escolar 2020, que as taxas de reprovação são mais altas em áreas rurais, em áreas mais vulneráveis dentro dos centros urbanos, entre estudantes residentes em áreas de assentamentos, de remanescentes de quilombos e de terras indígenas, entre estudantes pretos, pardos, amarelos e indígenas, e, que é maior, também, para as crianças e jovens do sexo masculino.
Quanto ao abandono escolar, sabemos que ele é resultado de fatores internos e externos à escola, que não cabem nesse texto.
“A reprovação e o abandono são desafios de toda a sociedade, o que inclui a escola, seus profissionais, gestores da educação, estudantes e suas famílias” (UNICEF 2021).
Contudo, assustadoramente, mais de 600 mil alunos deixaram de frequentar as escolas em 2019. As maiores taxas de evasão, informa a pesquisa, estão entre alunos de Ensino Médio e entre as populações mais vulneráveis, semelhante aos dados relativos à reprovação.
Diferentemente dos dados do Estado de São Paulo, no Brasil estima-se que, com a pandemia, o percentual de estudantes entre 6 e 17 anos que não frequentaram a escola foi de 3,8% (dado de outubro 2020, Pnad), o que equivale a 1.380.891 estudantes. A pesquisa aponta que os índices mais altos são no Norte e Nordeste, expressão de grande desigualdade sócio, econômica e cultural tremenda na educação do país.
Durante a pandemia, houve, contudo, um aumento de crianças entre 11 e 17 anos matriculados, com atividades remotas, nas escola das redes estaduais e municipais de ensino (seja presencial ou remotamente). Esta informação pode indicar um grande esforço de professores, de gestores escolares e das famílias dos estudantes. Ressaltamos, contudo, que esse fenômeno foi menor entre crianças negras e indígenas, o que, mais uma vez, escancara a desigualdade escolar.
Entre as crianças de 6 a 10 anos, houve uma ligeira queda na frequência, de acordo com os dados, que precisa ser investigada. Que fatores ou motivos levaram a essa baixa na frequência dos alunos dessa faixa-etária?
Os dados da pesquisa também apontam que os estudantes se dedicaram às atividades disponibilizadas durante a pandemia, participando das atividades remotas oferecidas e indicadas pelos professores (Pnad, 2020). De acordo com esses dados, presume-se que as famílias, assim como os profissionais da educação, têm dedicado esforços para que as crianças e os adolescentes continuem a escolarização, mesmo diante dos desafios postos pela pandemia e pelo distanciamento social.
Há vários desafios colocados para gestores e propositores de políticas públicas na avaliação desses dados para que possam garantir o direito à educação efetiva e eficaz para a população de São Paulo. Estes envolvem também maior clareza entre todos na sociedade da função da escola, para que se possibilite a todos os alunos, independente de região de habitação, nível socioeconômico, sexo e cor, a oportunidade de entrar e permanecer na escola, recebendo ensino de qualidade e se apropriando de conhecimentos historicamente acumulados, desenvolvendo raciocínios de diferentes tipos, um espírito crítico e a capacidade de conviver com todos, semelhantes e diferentes de si mesmo.
Temos ainda muito a fazer
Os números ainda são elevados e revelam exclusão, desigualdade escolar, injustiça escolar, apenas escancarada pela pandemia e que vem sendo apontada ao longo dos muitos Censos Escolares pelos dados. Quem sabe a partir dessa experiência tenebrosa que temos vivido no mundo nos quase dois anos, possamos, como sociedade, enxergar e assumir a responsabilidade pelo valor da escola igual e justa para todos. Mas que escola queremos? A escola que temos pode ser considerada uma escola justa? Direito à educação, à escola justa, é apenas a garantia de acesso à escola? Fica evidente que precisamos fazer mais para que todas as crianças e jovens possam não só ter acesso, mas também as condições de permanecerem na escola, numa escola de qualidade. Sem isso, a mera queda na evasão escolar pode não significar nada. Saibamos pensar de forma crítica os dados apresentados.
*Por Marili Moreira da Silva Vieira – professora titular no Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.