Opinião

A força do antiamericanismo

*Por Felipe Frydman – Diplomata.

A força do antiamericanismo
Joe Biden e Vladimir Putin (Crédito: Denis Balibouse – Pool/ Keystone via Getty Images)

O conflito na Chancelaria sobre a votação na Assembleia das Nações Unidas da resolução patrocinada pela França e pelo México exigindo que a Rússia cesse imediatamente as hostilidades contra a Ucrânia, destacou a falta de consenso político para condenar a invasão de um país independente. A outra opção foi a resolução apresentada pela África do Sul, que pedia o cessar das hostilidades por todas as partes, colocando o agressor e a vítima no mesmo patamar.

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Os argumentos para justificar a invasão sempre se baseiam na necessidade de cuidar da segurança da Rússia diante da expansão da OTAN. Essa análise não inclui os antecedentes da apropriação da Crimeia em 2014 e o apoio à insurgência em Donetsk e Lugansk para desmembrar a Ucrânia. Em uma versão refinada, a OTAN chega a ser equiparada como posto avançado do capital financeiro contra países que priorizam o Estado, equiparando Vladimir Putin a Mariana Mazzucato.

Essas divagações nos permitem divagar sobre a conformação do poder mundial diante do relativo retrocesso dos Estados Unidos e da emergência da China, dando lugar à Rússia e ignorando a União Europeia, o Japão e a Índia. A insistência na multipolaridade decorre de um antiamericanismo acentuado nos últimos tempos. Nessa visão, os Estados Unidos representam o lawfare, os ajustes, os fundos abutres e as sanções econômicas que forçaram a busca de associações estratégicas com a Rússia e a China para compensar a influência norte-americana. O vice-presidente Fernández sustentou que os acordos estratégicos da Argentina com Rússia e China e a participação do Brasil nos Brics são um alerta vermelho para os Estados Unidos, não importa quem esteja na Casa Branca.

“A insistência na multipolaridade decorre de um antiamericanismo acentuado nos últimos tempos.”

A redução da guerra a um problema de segurança não leva em conta a diversidade de nacionalidades. Os escritos de Iosif Stalin (1913) e Vladimir Lenin (1922) já se referiam à formação das nações diante do colapso dos impérios. Stalin explicou o atraso feudal na Europa Oriental e Lenin, após a vitória bolchevique, procurou acabar com a discriminação czarista para adicionar as diferentes nacionalidades. Em 1922 ele escreveu: “É necessário distinguir entre o nacionalismo da nação opressora e o do oprimido, entre o nacionalismo da grande nação e o da pequena”. Lenin apoiou o direito das nacionalidades de ter seu estado nacional como os russos. O presidente Putin considera que esse apoio constituiu uma traição porque favoreceu a desintegração do império e o surgimento de novas nações reconhecidas na Constituição de 1924.

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Numa altura em que o progressismo encoraja os estados plurinacionais, aqui alinha-se com o imperialismo da Federação Russa, que pretende repetir as políticas da União Soviética com o seu exército de ocupação sob o Acordo Ribbentrop-Molotov e mais tarde na Europa de Leste. A dissolução desse império significou liberdade para milhões de pessoas, que optaram por recuperar a capacidade de pensar e progredir.

A repetição de que a expansão da OTAN constituiu uma provocação não tem mérito. Os países do Leste Europeu buscavam se juntar a uma organização que pudesse protegê-los da voracidade de um império que durante séculos usou a força para servir aos interesses de sua metrópole. É inexplicável justificar esta guerra para parar o capital financeiro ou pensar que a OTAN precisa da Ucrânia para implantar seus mísseis intercontinentais.

Essa preocupação em defender a multipolaridade apenas mascara a falta de compreensão que a quebra de regras internacionais acarreta para todos e não apenas para os atores diretos. A multipolaridade exige não apenas equilíbrio, mas também respeito às regras e, neste caso, a aventura do presidente Vladimir Putin de reviver seu império trará sérios danos que afetarão a todos e, principalmente, os países mais vulneráveis.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

 

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