Colômbia: greve nacional coloca em xeque o governo de Iván Duque

O presidente colombiano enfrenta uma onda de protestos cuja origem vai além da reforma tributária que apresentou e logo retirou. O país parece dar as costas à sua força política

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Mais de duas semanas após o início da greve nacional na Colômbia, o governo de Iván Duque vive seu momento mais crítico desde que assumiu o cargo em 2018. As múltiplas denúncias sobre mortes e desaparecimentos no âmbito dos protestos sociais, que segundo a Defensoria do Povo da Colômbia ultrapassa 40 mortos, 168 desaparecidos e mais de 100 violações de direitos humanos nas quase 1.200 manifestações contra o governo, somadas à pressão de diferentes organizações de direitos humanos que denunciaram o uso excessivo das forças de segurança – a ONU inclusive emitiu um comunicado no qual exortava o governo a “permitir que os protestos pacíficos continuem” – levou o governo a organizar uma reunião com o comitê de greve, que terminou sem um acordo entre as duas partes.

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Além das diversas entidades que manifestaram o seu repúdio à repressão desmedida empreendida pelo governo colombiano, diversos líderes em todo o mundo expressaram sua preocupação com a situação social vivida na Colômbia. O presidente argentino Alberto Fernández escreveu em Twitter: “É com preocupação que observo a repressão desencadeada diante dos protestos sociais ocorridos na Colômbia. Rezo para que o povo colombiano volte à paz social” e acrescentou: “Exorto o seu governo a que, em conformidade com os direitos humanos, cesse a violência institucional ímpar que vem exercendo”. Na mesma linha, o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, comparou a situação na Colômbia com o massacre acontecido na Bolívia em 2003 durante a chamada “guerra do gás”, e afirmou que “o povo está sofrendo com a repressão que busca impor a receita neoliberal do ‘impostaço’”.

Nos Estados Unidos, o deputado e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Gregory Meeks, afirmou estar “profundamente chocado com a brutal repressão aos protestos na Colômbia” e instou Iván Duque a “diminuir a violência”.

Apesar dessas pressões internacionais, o atual presidente respondeu determinando a implantação em Cali “do maior desdobramento que permitam as capacidades de nossa força pública”. Assim, a capital do departamento de Valle del Cauca é uma das cidades mais afetadas pela violência institucional, onde, segundo organizações de direitos humanos, ocorreram 15 mortes desde o início da greve em 28 de abril.

“Este governo não se preocupa com a perda de prestígio ou com a pressão internacional que sofre neste momento. Prefere continuar agindo de forma brutal e também contra as lideranças sociais”, disse Victoria Sandino, senadora pelas FARC.

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Origem

Para diferentes organizações sociais, políticas e da mídia, a reforma tributária que o governo tentou implementar não foi o início das manifestações, e argumentam que realmente temos que voltar ao dia 21 de novembro de 2019, quando eclodiu a primeira manifestação importante contra este governo e suas políticas de ajuste.

“Essas mobilizações têm um contexto configurado dois anos atrás, quando se reclamava por uma reivindicação de caráter social, uma reforma ideológica da segurança e contra a brutalidade policial. O governo subestimou essas mobilizações porque veio a pandemia e pensou que toda aquela rebeldia e manifestação social tinha sido desmontada”, afirma Luis Marín, filósofo e professor da Universidade Pedagógica da Colômbia.

Descontentamento

As mobilizações populares de 2019 começaram com uma série de políticas que o governo de Iván Duque queria adotar e que seus aliados traçaram como uma possibilidade para o futuro. Uma das medidas mais resistidas na época, e que ajudou a provocar a erupção social de novembro daquele ano, foi que menores de 25 anos que estivessem trabalhando recebessem 75% do salário mínimo. Essa polêmica proposta foi feita pela Associação Nacional das Instituições Financeiras (ANIF) para que, segundo a entidade, fossem geradas mais oportunidades de emprego entre os jovens. A resposta do governo nacional veio do ex-presidente e padrinho político de Duque, Álvaro Uribe Vélez, que foi além e propôs o pagamento por hora para os jovens trabalhadores. Além dessa posição em relação ao reajuste salarial, o Ministério da Fazenda colocou à venda empresas estatais como a Ecopetrol, a maior petroleira da Colômbia. Os protestos resultaram numa greve de uma magnitude que não era registrada no país desde 1977.

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“Chegamos a uma situação que vinha se acumulando, em 2019 houve mobilizações muito grandes que foram suspensas por conta da pandemia, mas no ano passado as causas que motivaram essas mobilizações se intensificaram”, disse Iván Cepeda, senador pelo Polo Democrático, e acrescentou: “A situação atingiu um ponto tão extremo que as pessoas saem para se manifestar até no meio da pandemia.”

As políticas liberais do governo Duque, longe de serem atenuadas pela pandemia e a consequente crise mundial, se aceleraram – prova disso é que, apesar dos trágicos índices do Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE) indicando que durante 2020 a pobreza na Colômbia chegou a 21 milhões de pessoas (42,2% da população), e a pobreza extrema aumentou para quase 8 milhões, o presidente apresentou um projeto de reforma tributária que previa, dentre outras coisas, o aumento do IVA sobre diversos produtos alimentícios e serviços. Este anúncio fez com que os cidadãos se manifestassem novamente.

“Há uma raiva contida da população colombiana por toda a situação que se vive e principalmente porque muitas pessoas estão morrendo de fome, ou morrendo de covid, ou saem para protestar e acabam morrendo pelas balas da força pública”, asseverou a senadora Sandino, sobre a reação de um importante setor da população contra as medidas econômicas adotadas pelo governo Duque.

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O desastre do Uribismo

O ex-presidente Álvaro Uribe Vélez é a figura mais polêmica da política colombiana nas últimas décadas e atualmente é o líder do Centro Democrático, partido de Iván Duque. Até agosto do ano passado, Uribe era senador da República, mas teve que deixar o cargo porque a Corte Suprema determinou a sua prisão domiciliar por haver “risco de obstrução da Justiça”, conforme afirmou na época da condenação Héctor Alarcón, presidente da Câmara Especial de Instrução que investigava o homem que soube ser o máximo mandatário do país entre 2002 e 2010.

Na ocasião, Uribe estava sendo julgado por manipulação de testemunhas em assuntos de Estado, embora pouco tempo depois a Quarta Vara Criminal do Circuito de Bogotá tenha decidido conceder-lhe novamente a liberdade. De fato, esta foi apenas uma investigação das muitas que enfrenta perante a Missão de Observação Eleitoral (MOE): o ex-presidente é objeto de 276 investigações, nas quais é vinculado ao tráfico de drogas, a grupos paramilitares e a massacres e assassinatos, entre outras relações que se tenta provar.

Tamanha é a ingerência desse dirigente que, dois dias após o início da greve e dos protestos nacionais, Uribe escreveu no Twitter: “Apoiemos o direito de soldados e policiais de usarem suas armas para defender sua integridade e defender pessoas e bens da ação criminal dos vândalos terroristas”. Poucos dias depois, começaria a ficar em evidência o grande número de mortos e feridos que ocorriam todos os dias durante as jornadas de protesto.

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“O governo nacional está agonizando, eles sabem que vão perder o poder mais cedo ou mais tarde e que as suas narrativas não funcionam mais, e como sabem que as pessoas estão dispostas a morrer, então redobram a aposta porque não querem desistir do poder”, considera o sociólogo Fabián Sanabria ao analisar a violenta repressão aos protestos.

Poucos dias antes do início da greve, e evidenciando a profunda crise que atravessam o governo nacional e o uribismo, uma pesquisa realizada pela Invamer aponta como o vencedor das eleições presidenciais de 2022 Gustavo Petro, figura máxima da oposição. Nesta pesquisa, foi medida pelo partido de situação a vice-presidente, Marta Lucía Ramírez, e não Duque, que uma semana antes da mobilização nacional tinha uma imagem negativa de 65%, segundo estudo da Polimétrica de Cifras y Conceptos.

“O furo é que o uribismo está reduzido à sua expressão mínima em relação ao que era há vinte anos, a novidade é que desta vez essa imagem negativa não ocorre apenas no meio urbano, mas também começa a ganhar espaço no meio rural”, afirma o filósofo Marín sobre a queda da imagem que enfrentam o governo nacional e o partido liderado por Uribe Vélez.

Para o senador Cepeda, esse movimento está em “sua crise mais profunda” e a imagem pública do ex-deputado “está se deteriorando porque as pessoas sabem o que Uribe representou e representa para o país”. Cepeda foi quem, em 2012, apontou o ex-presidente como “patrocinador do paramilitarismo”; esse fato gerou uma denúncia de Uribe Vélez contra o senador, causa que finalmente sofreria uma reviravolta, já que foi o próprio ex-presidente quem acabou sendo processado por manipulação de testemunhas.

Por Julian Rouvier

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina

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