“Sempre me dão mulheres fortes” diz atriz Lucy Lawless

A atriz que ficou famosa como Xena nos anos 90 agora estreia uma série policial que ela define como luminosa. Ela comenta sua ligação com aquele personagem, com a criatividade e até com o escritor Neil Gaiman

“Sempre me dão mulheres fortes” diz atriz Lucy Lawless
Atriz Lucy Lawless (Crédito: Brendon Thorne/Getty Images)

“Eu poderia inventar algo, sem dúvida”, diz atriz Lucy Lawless de um canto da casa do autor Neil Gaiman. É o espaço perfeito, pode-se acreditar, para inventar algo. Mas ela responde a uma pergunta específica: o que ela sabe e pensa de Alexa Crowe, a sua personagem, a protagonista da ficção “My Life is Murder” (Acorn TV), a série policial em chave de comédia mas também de mistério que a faz feliz estes dias?

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“Acho que ela é uma pessoa com muito mais desejo de amar, que é uma pessoa melhor do que gostaria que os outros vissem.”

Lawless é uma lenda do universo dos anos 90: a sua Xena, assim como os Arquivos-X, como Buffy, mostram a este mundo de séries de papel que as coisas são bem feitas há muito tempo. Sim, eram modelos antigos de histórias, mas muito mais cruciais para as batalhas que hoje estão sendo travadas mais a partir da perspectiva do marketing e não tanto na dos contadores de histórias. De qualquer forma, Lawless adora a sua fama, o seu culto, o seu tempo em séries como “Ash vs Evil”, mas ela mostra uma paixão particular por sua nova história: “O coração desta série tem a ver com sair do policial escuro, o sombrio, com pessoas derretidas dentro de uma lata de ácido. Não queríamos fazer isso. Queríamos que o importante fosse o coração dos personagens. Que fosse um lugar onde você possa ir e ficar por um tempo. Como ‘Cheers’, um lugar para se divertir e está tudo bem. Estamos cansados das notícias lá fora, da negatividade. Parece simples, mas essa radiação pode machucá-lo, pode derrubá-lo. Eu queria criar um lugar onde todos pudessem vir comemorar comigo e com meus amigos. Longe da ideia que há do meu país, a Nova Zelândia, aqui nesta série não há hobbits. Não temos orelhas pontudas”.

Quando se trata de histórias, existe uma memória específica, uma história, um filme, uma obra, que te marcou desde a infância e te ajudou a construir uma carreira na hora de contar?

Eu fui para uma escola religiosa, e, claro, eles te fazem interpretar muitas fábulas bíblicas. E aí, claro, algumas histórias aparecem. O filho prodígio. E de repente no palco me vejo fazendo as pessoas rirem. Algo se iluminou. No ensino médio aparece “Macbeth”, e aí começo a me divertir com a ideia do gigante, da mulher como um mistério, do ostentoso e do teatral. Acho que foi o ponto de virada na minha vida como atriz.

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O que você acha que nos fascina sobre o universo dos policiais, sejam eles afáveis como a proposta desse programa ou mais tensos e ansiosos por demonstrar qualidade?

Gostamos de ir do caos à ordem, gostamos da sensação de que a justiça está aí, e como ela está degradada no mundo real, o laço que surge ao encerrar um caso brutal é importante. E também a simplicidade de ver que você não é tão mau, que não é o assassino tortuoso, que não passa momentos tão maus. Muitos dos criminosos são banais e estúpidos, e mesmo os mais espertos cometem seus crimes por motivos tolos. Pelo menos faz que você se sinta mais inteligente sentado na sua sala.

Há algo que você sente que conecta as suas histórias, de Xena a este show?

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Não, sou só eu. Meu corpo e minha química, minha história e meus sentimentos. Características da minha vida aparecem aos 30 fazendo Xena, e agora muitos mais, para esta personagem que é a Alexa. A minha história sempre aparece. Meus impulsos eletroquímicos. Todos querem que eu seja uma mulher forte. Mas a verdade é que é a única coisa que eles me oferecem. Raramente recebo personagens fracas, e adoro essas oportunidades. A verdade é que gosto muito de interpretar pessoas fracas, moralmente comprometidas. É extremamente divertido.

Você recentemente teve uma conversa pública com Amanda Palmer e Neil Gaiman. Nela, você perguntou ao escritor que papel desempenhava nele, no momento de criar, a solidão. Que papel a solidão desempenha para você, apesar de estar sempre cercada no set?

A solidão nem tanto. Mas quando eu sou a criadora, preciso ficar sozinha. Tenho déficit de atenção, então posso fazer mil coisas ao mesmo tempo. Na verdade, eu preciso disso e isso me acalma. É fácil para mim me distrair. É fácil para mim mudar de faixa em um segundo. Mas agora, criando, ou em outros ambientes, posso ser obsessiva e apaixonada: quando há pessoas que precisam de você, crianças ou cachorros, você não pode se desfrutar desse luxo. Mas agora, neste momento, que estou dando esta entrevista literalmente na casa de Neil Gaiman, em um de seus espaços de trabalho (o que torna a sua pergunta muito surpreendente), aprecio enormemente a solidão.

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Que tipo de história você gostaria de contar no futuro? Que histórias você acha que o mundo precisa?

Acho que vamos precisar de séries que nos iluminem, séries que pareçam boas notícias, um mundo melhor. Assim se explica, para além do talento que há nela, o sucesso de “Ted Lasso”, que é uma série que representa de forma brilhante o que estou falando. Precisamos de coisas positivas, como a série “My Life is Murder”, coisas que iluminem, que sorriam. Quero fazer coisas que elevem o espírito, agora quero trabalhar no meu projeto dos sonhos, sobre uma vida extraordinária e como essa vida afetou outras pessoas. Por isso este confinamento, para que ninguém precise de mim e que eu possa facilmente me obcecar pelo meu trabalho. Acho que é algo que eu devia para mim mesma na minha carreira, e que pode gerar coisas realmente diferentes. Eu tenho uma história que quero que finalmente veja a luz.

Por que a ideia de ficar obcecada pelo seu trabalho soa como algo quase novo para você?

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Porque eu nunca consegui fazer isso por algo que eu queria contar. Porque a natureza do meu trabalho é no set, com pessoas aqui e ali, por todos lados. É muito bom para alguém com tão pouco foco, então. Eu entendo que existem pessoas que querem criar, mas se sentem presas, porque estão dispersos, e a imagem do criador que pode se aprofundar em algo é muito poderosa. Mas existe uma mistura dos dois mundos possíveis. Eu adoro agora poder dedicar tempo a isso e reeducar a minha forma de criar. Porque como qualquer pessoa que avança na vida, quero muito contar coisas que deixem a minha marca no mundo.

O passado guerreiro

Como você define o seu relacionamento com os seus fãs, que passaram do público da ComicCon a serem sujeitos de 40 anos que misturam o seu consumo cultural?

Acho que estou um pouco fora de sincronia com meus fãs. Em meus dias como Xena, eu os conhecia, sabia até de onde eles vinham, conhecia os nomes de muitos deles. O fandom não é o mesmo que costumava ser. Hoje dá a sensação de que o mundo é um fã, que não existia antes o “bingewatching” (assistir compulsivamente), a não ser sentar e assistir a série sem parar em um videocassete. Foi, do meu ponto de vista, mais um evento. Nesse sentido, embora eu ame o personagem, estou no meio da floresta, minha floresta, e não mais tão atenta ao que acontece fora dela. E não tem nada a ver com raivas, ou distâncias particulares que quero manter, foi apenas a natureza da minha carreira. Eu adoro que eles amam o personagem, eu, a minha aparição em “Os Simpsons” e muito mais. Mas agora, como te disse, sou feliz aqui dentro da minha floresta.

Como você vê Xena hoje?

Xena era uma guerra, uma com maldade, que não poderia ser redimida mesmo se ela quisesse. Assim de sangrento era o passado dela. Hércules é o herói que você espera que exista. Xena foi a heroína nascida da possibilidade de saber que você nunca pode ser totalmente bom. O fato de ser a espinha dorsal de um programa popular sempre me pareceu importante. Que a sua redenção sequer estivesse ao seu alcance. Que ela entendesse que o caminho dela era diferente, e que ela poderia ter uma família e assim por diante, mas deixar muito longe a ideia de que podia ter tudo. É por isso que sempre adorei a personagem de Xena e a sua humanidade, o que era perfeitamente possível e realista.

*Por Juan Manuel Domínguez.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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