Castillo anuncia um gabinete inexperiente no Peru

Ao chefe do Gabinete – homofóbico reconhecido – junta-se um chanceler ex-guerrilheiro e a ausência de um moderado que era cotado para a Economia, mas no final acabou excluído

Castillo anuncia um gabinete inexperiente no Peru
Novo presidente peruano, Pedro Castillo (Crédito: Ricardo Moreira/Getty Images)

O gabinete que acompanhará o novo presidente peruano, Pedro Castillo, tem despertado preocupação nos setores empresariais e na oposição, já que será chefiado por um líder da esquerda dura, inexperiente na política, e terá como chanceler um ex-guerrilheiro, o que sugere uma mudança radical na postura externa do país.

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É, em geral, um gabinete eminentemente político, composto por diversos setores da esquerda peruana, socialmente conservador e com raízes religiosas.

Castillo, um professor rural de Cajamarca, de origem humilde e experiência sindical, mas não política, deu posse como chefe de Gabinete a Guido Bellido, um engenheiro sem experiência em cargos públicos, e como chefe da diplomacia ao ex-guerrilheiro Héctor Béjar, um dia após sua própria posse presidencial, em um clima polarizado.

Bellido é uma figura particularmente perturbadora. Homofóbico reconhecido, ele argumentou repetidamente que Cuba é uma democracia e tem relutado em qualificar como terrorismo as atrocidades cometidas pelo Sendero Luminoso. Sua nomeação parece confirmar a influência que exerce sobre o presidente eleito Vladimir Cerrón, o presidente de seu partido, Perú Libre. Cerrón é um médico marxista, um ex-governador que a Justiça condenou por corrupção e inabilitou para o exercício de cargos públicos.

Castillo também deu posse a 16 ministros no Gran Teatro de Lima, horas depois do juramento de Bellido em uma cerimônia no local da batalha de Ayacucho de 9 de dezembro de 1824, que selou a independência do Peru e do resto da América espanhola.

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“Para Bellido, Cuba é uma democracia e ele reluta em chamar o Sendero Luminoso de terrorista.”

Em um mau sinal para os mercados, o crucial cargo de ministro das Finanças continua vacante, assim como o da Justiça, em um gabinete que, além do chefe, tem 18 membros. Para a Economia, havia soado o nome de Pedro Francke, principal assessor econômico de Castillo e responsável pela moderação exibida durante a campanha sobre o tema. No entanto, de acordo com a imprensa local, o economista não foi aceito por Cerrón, nem pelo novo primeiro-ministro Bellido, sob cuja liderança Francke parece ter se recusado a trabalhar.

“A aliança de Castillo com Cerrón é clara. Eleger Bellido e mantê-lo no poder sobre figuras como Francke apenas o torna transparente”, disse o analista Sandro Venturo.

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O atraso na nomeação do responsável pela Justiça também é um assunto delicado. O próprio Cerrón não pôde ser candidato devido à condenação que sofreu, razão pela qual quem concorreu foi Castillo, e Keiko Fujimori, a principal líder da oposição, também está seriamente comprometida por processos judiciais.

Entre os novos ministros, destaca-se Béjar, advogado e doutor em sociologia de 85 anos, fundador, em 1962, do Exército de Libertação Nacional, grupo guerrilheiro inspirado na revolução cubana, que atuou na selva peruana até ser derrotado militarmente alguns anos depois. Preso em 1966 e depois de quase cinco anos na prisão, Béjar foi perdoado pelo governo do general Juan Velasco Alvarado, de quem se tornou colaborador.

Apenas duas mulheres compõem o gabinete. Uma é a nova vice-presidente, Dina Boluarte, como titular da pasta de Desenvolvimento e Inclusão Social, a outra, a socióloga feminista Anahí Durand, contribuição do partido Nuevo Perú, da ex-candidata à presidência Verónika Mendoza, que terá pela frente uma dura tarefa diante de um governo masculinizado e muito conservador nas questões de gênero.

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Críticas a Bellido

Os presidentes Alberto Fernández da Argentina, Luis Arce da Bolívia e Sebastián Piñera do Chile acompanharam Castillo ao meio-dia na cerimônia na Pampa de la Quinua, cenário da batalha de Ayacucho. O ex-presidente boliviano Evo Morales também compareceu.

Milhares de moradores se reuniram no local, testemunhando o juramento de Bellido, um engenheiro de 41 anos do mesmo partido Castillo, e que se tornou legislador pela primeira vez há seis dias.

Segundo a mídia peruana, a promotoria havia investigado Bellido por suposta “apologia ao terrorismo”, em resposta a declarações dadas em uma entrevista em abril, antes de que assumisse a sua cadeira no Congresso, a qual lhe concede imunidade.

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A nomeação de Bellido, de origem camponesa como Castillo, “é uma mensagem que polariza”, reagiu o legislador da direita radical Alejandro Cavero.

Bellido deve comparecer antes de um mês ao Congresso – controlado pela oposição – para pedir um voto de confiança no novo gabinete. Se for rejeitado, Castillo terá que nomear outro primeiro-ministro e reorganizar o gabinete.

Castillo iniciou seu mandato de cinco anos em meio às esperanças de milhares de compatriotas, mas também com a preocupação de muitos peruanos que temem uma forte virada para o socialismo após décadas de políticas liberais.

Em seu primeiro discurso, anunciou que enviaria ao Congresso um projeto para reformar a Constituição, que favorece o liberalismo econômico e foi promulgada em 1993 pelo presidente Alberto Fujimori, pai preso da sua rival no segundo turno de 6 de junho, Keiko Fujimori.

Keiko respondeu dizendo que seu partido, Fuerza Popular, “será um firme muro de contenção diante da ameaça latente de uma nova Constituição comunista”.

“Vamos insistir nessa proposta, mas dentro do marco legal que a Constituição prevê. Teremos que conciliar posições com o Congresso”, indicou Castillo, cujo partido, Perú Libre, tem apenas 37 das 130 cadeiras. A segunda bancada pertence a Fuerza Popular, com 24.

“Clima de desconfiança”

Castillo também anunciou em sua posse que não dirigirá o país a partir do Palácio de Pizarro, a casa do governo, já que pretende transformá-lo em um museu, e prometeu que no final do seu mandato retomará suas “tarefas docentes de sempre”, em alusão a que não pretende se eternizar no poder. A proposta de conversão do Palácio também gerou polêmica, e o analista Hugo Otero disse que “transformá-lo em museu vai exigir uma fortuna”.

O anúncio da reforma constitucional incomodou os empresários, embora já fosse promessa de campanha do professor rural de Cajamarca. Para Óscar Caipo, chefe da central empresarial peruana, Confiep, a reforma provoca “mais instabilidade” e “um clima de desconfiança” em relação ao governo.

Castillo reiterou em sua primeira mensagem que não fará desapropriações, embora tenha esclarecido que promoverá um “novo pacto com os investidores privados”.

O presidente tem o desafio de reativar uma economia duramente atingida pela pandemia, que despencou 11,12% em 2020, além de acabar com as convulsões políticas que levaram o país a ter três presidentes em novembro de 2020.

Horas depois do juramento de Castillo, chegou a Lima o chanceler do governo venezuelano de Nicolás Maduro, Jorge Arreaza. A sua visita marca uma virada na política externa do Peru, que em 2019 reconheceu o opositor Juan Guaidó como governante interino da Venezuela, junto com sessenta outros países.

A Venezuela foi um tema recorrente na campanha do segundo turno, já que a candidata Fujimori disse que seu adversário pretendia seguir os passos de Maduro. Castillo negou ser “chavista” ou querer copiar o modelo venezuelano.

A Bolsa cai e o dólar dispara

A Bolsa de Lima havia caído mais de 6% na sexta-feira e o dólar ultrapassou pela primeira vez 4 soles, depois que o novo presidente Pedro Castillo nomeasse o seu gabinete sem preencher o cargo de ministro das Finanças.

O Índice S&P/BVL Perú General, o mais representativo da Bolsa de Valores limenha, registrava queda de 6,24% por volta do meio-dia e o dólar estava sendo negociado a 4,06 soles, após fechar em 3,92 soles na terça-feira, antes de dois dias de feriado pelas festas pátrias.

O preço do dólar vem subindo no Peru devido à incerteza política desde os dias anteriores ao primeiro turno das eleições, em 11 de abril, quando Castillo foi a grande surpresa entre os 18 candidatos à Presidência. No final de dezembro passado, o dólar era negociado a 3,62 soles.

Agencias

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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