Opinião

Indonésia e a equidistância pragmática

*Por Patricio Carmody – Especialista em relações internacionais. Autor do livro Procurando o consenso no fim do mundo. Para uma política externa argentina com consenso (2015-2027).

Indonésia e a equidistância pragmática
Joko Widodo (Crédito: Sean Gallup/ Getty Images)

A Indonésia tem geralmente procurado assumir posições equilibradas nas suas relações externas, de acordo com a sua importância e localização geográfica. No entanto, a manutenção desse delicado equilíbrio enfrentará dois níveis de desafios internacionais ao longo de 2022. No primeiro nível estão os desafios geoestratégicos que surgem e/ou se acentuam no contexto da invasão russa na Ucrânia. Em um segundo nível está a organização das reuniões do G20 em seu território, algo complexo devido ao conflito mencionado. Esta dupla tarefa a obriga a conduzir-se com o máximo de tato e pragmatismo.

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Desde sua independência da Holanda em 1945, a Indonésia conduziu o que é chamado de política externa independente e ativa – Bebas-Aktif. Embora esse conceito tenha sofrido nuances e variações em sua interpretação, em termos gerais significava sua independência das grandes potências mundiais. Se durante a Guerra Fria eram os EUA e a URSS, hoje essas potências são os EUA e a China. Mas a política externa da indonésia teve seus altos e baixos, como evidenciado pela política externa independente do presidente Suharto (1968-1998), que se diferenciava das estridentes antiocidentais e antiamericanas do final do primeiro regime do presidente Sukarno (1945-1967). Com o advento da democracia em 1999, manteve-se uma política externa moderada, sempre evitando interferir nos conflitos entre grandes potências e recusando-se a se comprometer com qualquer uma delas.

Atualmente, a Indonésia está assumindo uma política de “equidistância pragmática” em relação à China e aos EUA. A China é o parceiro comercial número um da Indonésia – representando 23% de seu comércio internacional – e a Indonésia fornece matérias-primas, como óleo de palma , carvão, cobre e gás natural. A China mantém superávit comercial com a Indonésia e também é o principal investidor estrangeiro. No entanto, depois de estabelecer relações diplomáticas em 1950, estas foram rompidas em 1965-1966 devido ao expurgo do Partido Comunista Indonésio (PKI) nas mãos daqueles que derrubaram o governo de Sukarno. As relações foram restabelecidas em 1990. Hoje, o presidente Joko Widodo foi o primeiro líder internacional a visitar Pequim em julho, após a invasão russa da Ucrânia. Existem projetos conjuntos interessantes, como o financiamento de um trem de alta velocidade de Jacarta a Bandung, capital da ilha de Java. Por outro lado, esta nação-arquipélago está tomando posições mais fortes contra a pesca ilegal chinesa em seus territórios marítimos.

No caso dos EUA, com exceção do período “anti-ocidental” no final da presidência de Sukarno, as relações foram geralmente cordiais. Essa relação teve uma idade de ouro durante a presidência de Barak Obama – que viveu em Jacarta com sua família quando criança – mas depois diminuiu um pouco de intensidade. Recentemente, a Indonésia foi um dos três países da Asean – junto com Malásia e Filipinas – convidados para a cúpula da democracia organizada pelos EUA em Los Angeles em 2021. Geopoliticamente, a Indonésia e os EUA compartilham interesse em um espaço Indo-Pacífico livre e aberto.

A nível regional, a Indonésia é membro fundador da Asean –Associação das Nações do Sudeste Asiático–, um grupo de países criado para ter maior destaque e controle de sua área geográfica e, consequentemente, gerar mais prosperidade. Nas palavras do ministro das Relações Exteriores da Indonésia, Retno Marsudi: “A Asean se recusa a ser um peão em uma nova Guerra Fria”. Com 275 milhões de habitantes e um PIB de 1,290 bilhão de dólares, a Indonésia é um de seus membros mais proeminentes. A economia indonésia deverá se tornar a quarta maior economia do mundo em 2045, evoluindo de exportadora de matérias-primas – como óleo de palma – para uma economia baseada em serviços e manufatura com alto valor agregado – especialmente no setor. High-Tech–, além de suas matérias-primas. Além disso, Jacarta é a sede do secretariado da Asean e ocupará a presidência do grupo em 2023, onde o paradigma de colaboração com todas as nações norteará seu comportamento.

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A relação da Indonésia com seu vizinho ao sul – Austrália – não foi sem eventos. Além do já mencionado sentimento antiocidental ao final do governo de Sukarno, um elemento notório dessa relação foi a invasão indonésia de Timor Leste, que após ser colônia portuguesa, declarou-se independente em 1975. A Indonésia ocupou aquele território de 1975 a 1999, sendo imediatamente condenado pela ONU (Organização das Nações Unidas). A Austrália foi a primeira nação a reconhecer Timor Leste como uma província da Indonésia. Após 24 anos de dura ocupação, o prestígio da Indonésia foi afetado e a Austrália ajudou no processo de transição para um Timor Leste independente, liderando uma força internacional. Outro incidente foi o ataque terrorista a dois bares em Bali em 2002, que matou 88 australianos e 38 indonésios, um evento doloroso para ambas as nações. Hoje, a Austrália tenta intensificar o diálogo com a Indonésia, buscando reduzir sua dependência comercial da China e atuar conjuntamente contra um potencial aumento da presença chinesa na região.

Um elemento interessante da política externa da Indonésia tem sido sua política de aquisição de equipamento militar, particularmente aeronaves de combate. Jacarta foi fornecida pelos EUA desde a década de 1960, até que após incidentes em Timor Leste em 1990, os EUA declararam um embargo às peças de reposição militares. Jacarta então optou por comprar caças soviéticos Su-27 e Su-30. Mais recentemente, a Indonésia demonstrou sua disposição de continuar a ter frotas paralelas de aeronaves americanas e russas ao buscar comprar aeronaves russas Su-35. No entanto, os EUA intervieram com força para que Jacarta adquirisse de uma só vez 36 caças F-15 – por 13,9 bilhões de dólares – e 42 aviões Rafale franceses – por 8,1 bilhões de dólares.

Durante este ano, a Indonésia está realizando um novo e complexo ato de equilíbrio internacional ao liderar a organização do G20. A Indonésia é o único membro da Asean do G20, é a quarta maior nação do mundo e sua terceira maior democracia. Por sua vez, é o país com mais habitantes, de maioria muçulmana. Suas exportações são geograficamente bem equilibradas e representam 21% do PIB, com a China representando 24% do total; EUA, 12%; Japão, 8%; Índia, 6%; Malásia, 5%; Cingapura, 5%; e Coreia do Sul, 4%. A agenda de Jacarta visa representar as nações em desenvolvimento em uma era pós-pandemia, e o lema do encontro é: “Recuperar juntos, recuperar mais forte”.

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Mas este evento está sendo afetado pelo conflito russo-ucraniano. Assim, a Indonésia condenou a invasão russa da Ucrânia na Assembleia Geral da ONU, mas não apoiou a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Embora a questão da guerra não afete a declaração final do G20, certamente estará presente em reuniões bilaterais e multilaterais no âmbito do G20. Assim, em um ato de equilíbrio diplomático, o presidente Widodo viajou para Kiev e Moscou em junho para convidar os presidentes Zelensky e Putin para a reunião dos líderes em Bali nos dias 14 e 15 de novembro. Por meio dessa estratégia de “convite duplo”, Widodo tenta manter o G20 como um fórum relevante sobre questões globais. Também procura destacar um novo papel de liderança para a Indonésia em nível global e aumentar seu prestígio como “construtor de pontes entre as nações”.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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