“Se você for ao partido socialista (ou ao partido em que você vota) e disser a eles: perdi meu emprego. O que você pode conseguir? Ou se você tem um trabalho de duas horas e tem que deixar seu filho fazer isso, o que é um problema real para as pessoas, o que elas vão te dizer? Esses são os problemas reais.” Entrevistado em junho deste ano pela jornalista Berna González Harbour para o jornal El País, o sociólogo americano Richard Sennett expressou sua decepção e descrença no atual papel dos partidos políticos. Estudioso de fenômenos essenciais da vida contemporânea, Sennett é autor de livros tão esclarecedores quanto essenciais para a compreensão do mundo em que vivemos: A cultura do novo capitalismo, A corrosão do caráter, Respeito, O declínio do homem público , entre outros. Além disso, trata-se de alguém que não fica preso na teoria. Filósofo pragmático, fundou o New York Institute for the Humanities, presidiu o American Council for Labor e, em 2017, criou o Theatrum Mundi (The Theatre of the World), uma fundação dedicada à pesquisa da cultura urbana, cujo conselho de administração ele preside atualmente. Na entrevista citada, Sennett alerta que na maioria dos países ocidentais a sociedade civil está hoje sem representação, rudemente abandonada por políticos que, dedicados à busca do poder, ignoram os problemas reais e cotidianos dos cidadãos. “A classe política está se degradando progressivamente. Quanto menos capazes são aqueles que entram na política, mais egoístas e narcisistas são”, diz.
Casado com a socióloga holandesa Saskia Sassen, que também é referência incontornável nas questões da cultura urbana contemporânea, Sennett confia que outros tipos de organizações, fora dos partidos, podem funcionar e fazê-lo para suprir as deficiências que ignoram. “A noção de que a vida é uma narrativa, uma estrutura, foi quebrada”, pensa. “O desafio é encontrar um substituto para aquela narrativa institucional que minha geração experimentou como algo natural e esperado e que hoje não existe”.
Em um de seus textos póstumos, a filósofa francesa Simone Weil (1909-1943) anteviu com sua lucidez implacável e sempre atual o que Sennett agora confirma. O texto de Weil, muitas vezes chamado de filósofa mártir (morreu aos 34 anos, em plena guerra, literalmente dando corpo e alma à luta contra o nazismo), intitula-se Nota sobre a supressão geral dos partidos políticos, e parece escrito hoje e aqui, além de se aplicar a todo o panorama mundial da democracia liberal. Ele escreve: “A concepção do bem público deste ou daquele partido é uma ficção, algo vazio, sem realidade, pois se impõe a busca do poder total”. Weil viu as partes impotentes em um estado causado pela ausência de pensamento e denunciou que atribuíam essa esterilidade ao pouco poder que tinham. Por isso, eles pediram mais poder. Mas nenhuma quantia será suficiente para eles, disse Weil, “mesmo que fossem donos absolutos do país”. Ele acusou tanto os partidos mais inconsistentes quanto os mais organizados de serem iguais na imprecisão de suas doutrinas. A festa é uma máquina de colheita de energia; é, em si, seu próprio fim, afirma o filósofo. Além disso, o partido justifica sua busca por uma grande quantidade de poder na medida em que precisa dele para servir ao bem público, mas, escreve Weil, “a concepção do bem público não é uma coisa fácil de se pensar”. Na realidade, conclui, a doutrina de um partido político não tem sentido.
A desavergonhada batalha de egos lançada vorazmente e na hora errada para pegar candidaturas (atalhos para o poder) que se vê hoje nas principais coalizões e partidos da cena política local não só comprova Weil na época e Sennett no presente, mas também que se desenrola uma miserável feira de vaidades imperdoavelmente indiferente à pobreza, ao desânimo, à deterioração em muitos casos terminal e à desesperança de uma sociedade abandonada por seus políticos.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.