Opinião

Putin e a fome

*Por Marcelo Raimon – Ex-correspondente em Washington e Israel. Ele escreve sobre os EUA, Oriente Médio e tópicos de tendências.

Putin e a fome
Vladimir Putin (Crédito: Sergey Guneev – Host Photo Agency via Getty Images)

Os mísseis que as forças russas dispararam contra instalações de processamento de grãos na cidade ucraniana de Odessa em 23 de julho trouxeram manchetes de volta às páginas de notícias internacionais sobre uma das armas favoritas de Vladimir Putin: a fome.

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Como se tivesse feito parte de um contorcido romance de guerra, o ataque russo foi realizado apenas um dia depois que representantes das autoridades de Moscou assinaram um acordo – com o impulso da Turquia – para desbloquear os portos e permitir a exportação de grãos ucranianos.

Segundo os porta-vozes de Putin, os mísseis foram disparados contra alvos militares e não contra armazéns de alimentos. Mas de qualquer forma, o episódio mais uma vez revelou as táticas do presidente russo.

Por um lado, ao afundar as exportações ucranianas (o país é um grande produtor de grãos no esquema alimentar mundial), Putin está “se preparando para desencadear a fome no mundo desenvolvido como o próximo passo em sua estratégia contra a União Europeia”, alertou o historiador americano Timothy Snyder.

Moscou, acrescentou o historiador, está “planejando matar de fome asiáticos e africanos” para vencer a guerra contra a Ucrânia.

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Do outro lado é onde as coisas ficam inquietantes: um novo relatório de especialistas da Universidade Hebraica de Jerusalém mostrou que a “fome” como arma de guerra é a contrapartida de outra grande política do presidente Putin, a quase obsessão em fazer da Rússia um país suficiente no domínio alimentar.

O estudo “Pão e autocracia na Rússia de Putin”, publicado no Journal of Democracy, aponta que os resultados das políticas de substituição de importações de alimentos do Kremlin são heterogêneos.

“O investimento da Rússia na produção doméstica de alimentos reverteu com sucesso décadas de dependência de importações e posicionou o país para resistir melhor às sanções ocidentais, pressão econômica e isolamento geopolítico”, escrevem os autores do relatório Yitzhak Brudny, Janetta Azarieva e Eugen Finkel.

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“Mas ao subordinar o mercado às necessidades políticas – esclarecem – o Kremlin reduziu a concorrência e concentrou a produção de alimentos em poucas empresas gigantescas bem conectadas” com os recursos do governo.

Portanto, apesar dos sucessos iniciais de curto prazo, a longo prazo a autarquia alimentar na Rússia será economicamente insustentável.

A revisão histórica dos pesquisadores da universidade israelense deixa algumas pérolas que se tornam visões interessantes desse tempo de guerra entre a Rússia e a Ucrânia:

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– Um dos momentos decisivos dessa política foi registrado em 30 de janeiro de 2010, quando o então presidente russo, Dmitri Medvedev, assinou o decreto que impôs a Doutrina de Segurança Alimentar da Federação Russa. “Embora tenha sido adotada durante o interregno de Medvedev, a doutrina foi formulada sob Putin e refletiu plenamente seus desígnios políticos”, observa o trabalho de Finkel, Brudny e Azarieva.

Putin, dizem os pesquisadores, “compreendeu a importância política da comida mesmo antes de chegar ao poder” em 2000. Em 1992, como vice-prefeito de São Petersburgo responsável pelas relações exteriores da cidade, o futuro presidente “emergiu rapidamente como a chave figura” de uma iniciativa “para alimentar a cidade”.

No entanto, eles escrevem, Putin e seu círculo, quase todos os moradores da cidade “com pouca compreensão da agricultura, não tinham conhecimento prático neste campo”. Na verdade, eles observam, “o esquema acabou sendo uma farsa, uma bonança de corrupção que enriqueceu muitos dos futuros comparsas de Putin”.

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O então vice-prefeito da ex-Leningrado escapou do escândalo e mais tarde transferiria seus experimentos para o Kremlin, em Moscou.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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