Sonambulismo ideológico

*Por Augusto Pérez Lindo – Doutor em Filosofia. Professor do Doutorado em Educação Superior da Universidade de Palermo e Untref

Sonambulismo ideológico
A invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin e o desencadeamento de um novo massacre coletivo aprofundaram os temores mais pessimistas (Crédito: Chris McGrath/Getty Images)

Em um livro que acaba de sair em francês, “Despertai!” (Reveillez-vous, Paris, ed. Denoel), Edgar Morin nos convida a despertar do sonambulismo ideológico que nos impede de compreender o momento que estamos vivendo: O que está acontecendo conosco? Nossa incapacidade vem da miopia em relação a tudo que vai além do imediato? De uma percepção imprecisa? De uma crise de pensamento? De um sonambulismo generalizado?

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E mais adiante acrescenta: Como apreender o mundo que se transforma de crise em crise? Como conceber a aventura sem precedentes de nossa humanidade? É uma corrida para a morte ou metamorfose? Será um e outro ao mesmo tempo? Vamos acordar.

A invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin e o desencadeamento de um novo massacre coletivo aprofundaram os temores mais pessimistas. O ministro das Relações Exteriores da Rússia alertou: “Podemos ir para uma guerra global e nuclear”. O desenho perverso e delirante não poderia ser mais explícito. Então, como entender o silêncio ou a ambiguidade de tantos líderes e intelectuais?

Ambientalistas reclamaram da mesma forma quando a Conferência de Glascow sobre mudanças climáticas convocada pelas Nações Unidas ocorreu em novembro de 2021. A gravidade dos diagnósticos de catástrofes ecológicas em curso não pareceu alterar as políticas predatórias. Greta Tunberg e seus jovens seguidores disseram que as declarações terminavam em blá, blá, blá.

Será por inconsciência? Será por causa da incoerência ideológica de vários setores que na América Latina não houve condenações explícitas à invasão russa da Ucrânia? Alguns líderes (Maduro na Venezuela, Evo Morales na Bolívia) defenderam a invasão russa. Uma parte da esquerda permaneceu em silêncio.

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O “sonambulismo” de que fala Morin é muito mais amplo, apontando para a cegueira para reconhecer os perigos ecológicos, a pobreza mundial, os gastos militares, a mercantilização das relações sociais. Por que não podemos entender o que acontece conosco?

O conceito de “negação da realidade” circula nas ciências sociais há muito tempo. Esse “negacionismo” pode ser aplicado ao problema ecológico, aos dramas da pobreza, aos regimes ditatoriais, às contradições da economia mundial. Muitas pessoas não querem saber ou tomar uma posição sobre isso. Em vez disso, eles preferem entretenimento ou discussões paralelas.

“Esse “negacionismo” pode ser aplicado ao problema ecológico, aos dramas da pobreza, aos regimes ditatoriais, às contradições da economia mundial.”

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Talvez seja também uma perda de consciência histórica e moral dos atores sociais. Algo que pode acontecer em momentos cruciais, como aconteceu nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Ninguém queria ver e Paris estava festejando.

Devemos reconhecer que diferentes meios de comunicação social tentaram manter informações objetivas e críticas. Da mesma forma, muitos movimentos sociais têm se manifestado para protestar sobre diferentes questões. Talvez o que confunda seja a sobreposição de motivos para se “indignar”, como Stephan Hessel havia afirmado em 2010 com seu manifesto “Fique indignado!”.

Como acordar do sonambulismo que atinge setores da opinião pública em relação aos problemas mundiais? Sem dúvida, a existência de um jornalismo crítico e de redes sociais que comuniquem com veracidade é uma condição importante. Além disso, devemos ter uma educação que analise os problemas mais relevantes. No que se refere à questão ecológica e à questão da emancipação feminina, as mudanças de atitudes foram alcançadas graças à divulgação escolar.

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Se em cada atividade educativa, se em cada comunicação social, colocamos todos os dias os problemas da Humanidade, certamente conseguiremos formar uma cultura cidadã racional e moralmente comprometida. Já existem escolas e universidades trabalhando nesse sentido.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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