Até o advento das redes sociais, o discurso político necessário para vencer eleições em um ambiente democrático de normalidade, implicava na necessidade de políticos fossem da esquerda ou fossem da direita, convergirem ao centro.
Isso era o esperado, pois as pessoas se informavam basicamente por poucos tipos de veículos de comunicação. Os políticos não tinham como enviar mensagens personalizadas, customizadas e embaladas em uma espécie de combo ideológico.
Por isso, o segredo para ganhar as eleições no passado era tentar agradar a maioria, ao custo, de talvez, perder os votos das franjas radicalizadas do eleitorado.
As redes sociais utilizam algoritmos que premiam a agressividade, o ódio, a raiva, as reações desesperadas e as emoções mais reativas.
Como o feed das nossas redes não é neutro, mas sim uma espécie de espelho dos nossos interesses, preconceitos e taras, acabamos tirando um gênio maligno de dentro da lâmpada: o discurso político passou a não precisar mais convergir ao centro.
O centro político foi desidratado e houve uma corrida na direção das franjas radicalizadas. Para vencer as eleições, os políticos contemporâneos fazem o inverso dos seus colegas do passado: convergem aos extremos.
Podem usar diversas plataformas nas redes sociais, podem produzir conteúdo diversificado e prometer que não vão transigir. Podem garantir que se manterão radicais após eleitos.
Essa dinâmica ajudou a eleger líderes políticos como Donald Trump, Boris Johnson, Jair Bolsonaro e mais recentemente, Javier Milei.
Milei já traz algumas novidades: ancorou sua votação expressiva em uma nova geração que está começando a votar agora que não conheceu a política analógica. São eleitores tik tokers.
Pablo Marçal vem surfar esta onda, e por ser um millenium, sabe como poucos usar estas ferramentas digitais para produzir factoides e os espalhar na velocidade nauseante das redes.
Com um discurso agressivo, ataques virulentos, promoção de ódio dia sim e o outro também, Pablo Marçal conseguiu se tornar conhecido rapidamente, extrapolando os limites de quem conhecia o seu trabalho apenas como coach e posteriormente, segundo ele alega, um possível empresário de sucesso.
Há uma nítida convergência entre as estratégias de Marçal e as de Trump, Bolsonaro e Milei. Mas, aparentemente, existem também algumas diferenças que não devem ser subestimadas. Trump, Bolsonaro e Milei existiam como figuras públicas antes da adoção das redes sociais. Suas biografias possuem fases analógicas e digitais, e de algum modo, a grande sacada de suas equipes, foi conseguir transformar estas personas reais analógicas em avatares digitais fidedignos, algo palpável, que existe de carne e osso.
É aí que talvez Marçal esbarre. Marçal não existe analogicamente para os eleitores. O primeiro ato conhecido de sua biografia já é digital: a acusação de ter sido denunciado e condenado criminalmente por dar golpes virtuais com uma quadrilha.
É possível que o eleitor normal esteja identificando uma certa falta de autenticidade no candidato Marçal. Ao mesmo tempo, a mesmíssima estratégia agressiva que lhe tornou conhecido e lhe permitiu subir rapidamente nas pesquisas, começa a lhe custar o maior índice de rejeição entre os candidatos.
É como se a sua popularidade tivesse viajado na velocidade da luz lhe tornando um candidato competitivo, mas a sua rejeição veio na velocidade do som, quando o eleitorado começou a conhecer melhor aquela figura histriônica e barulhenta.
As provocações que fez no debate de ontem ao candidato Datena ultrapassaram totalmente o limite do aceitável. Marçal só pôde ir adiante porque a moderação da TV Cultura falhou ao não aplicar as regras que ela mesma estabeleceu com os candidatos.
A agressão sofrida por Marçal não deve ser elogiada nem celebrada, mas não dá para o considerar exatamente uma vítima. O candidato parece crer que o público vai aprovar o seu papel de político anti-sistema que foi agredido por apenas “falar a verdade“.
O fato é que o candidato tem faltado tanto com a verdade como com respeito com os demais candidatos. E acima de tudo, tem tratado com descaso o eleitorado.
Corre o risco de não apenas estacionar nas intenções de votos como as pesquisas estão demonstrando, mas como a partir de agora, começar a desidratar.
*Alexandre Gossn é escritor, pesquisador de autoritarismos contemporâneos, doutorando em Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra, Mestre em Direito, Advogado e autor da newsletter Um olhar das Ciências Sociais.
** Este texto não reflete a opinião de Perfil Brasil