A guerra e a percepção do risco nuclear

*Por Julián Gadano – Ex-Subsecretário de Energia Nuclear da Nação. Diretor do ProgENI da UNTreF. Membro da Fundação Global Argentina

A guerra e a percepção do risco nuclear
Pripyat, Ucrânia (Crédito: Sean Gallup/ Getty Images)

A repreensível invasão da Ucrânia pela Rússia colocou mais uma vez na mesa a questão da energia nuclear, seu uso e seu risco. E não é para menos: é a primeira vez na história que um país com usinas nucleares em operação é invadido por outro. Em poucas palavras, a todos os riscos externos que as usinas nucleares aprenderam a lidar (terremotos, inundações, etc.), acrescentou-se outro, neste caso sem responsabilidade da natureza: uma invasão militar envolvendo artilharia. A palavra “nuclear” deve ter sido uma das mais citadas nas redes nos dias de hoje.

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De todas as questões sobre as quais minha opinião foi questionada ultimamente, vou me concentrar em uma: uma usina nuclear pode se tornar uma arma? Vamos estragar o final: não, não pode. Ou, para ser mais preciso, é extremamente difícil.

Vamos começar com os fatos

As forças russas apreenderam a usina nuclear de Zaporizhia em um ato de agressão que incluiu o uso de artilharia e provocou explosões em alguns prédios fora do reator, sem que ele fosse comprometido. Também não é tão simples isso acontecer porque tem uma contenção que o protege contra determinados impactos.

É então possível quebrar ou gerar alguma fissura? Claro que sim, mas é extremamente difícil acreditar que os russos se apoderaram da usina para romper sua contenção e liberar material radioativo com o objetivo de causar danos, por dois motivos: primeiro, porque uma usina nuclear não é uma arma, e atacá-la para causar dano envolve gerar um evento de fuga que pode causar sérios danos aos próprios atacantes. E em segundo lugar porque não faz sentido fazer isso. Com a Rússia tendo uma variedade de armas de precisão e poder destrutivo à sua disposição (e mostrando que está disposta a usá-los), por que se esforçar para destruir uma usina nuclear com foguetes?

Portanto, e sem ter uma bola de cristal que me permita adivinhar 100% das intenções de uma pessoa tão imprevisível quanto Vladimir Putin, suspeito que o motivo seja bem mais simples: controlar quase 20% da geração de eletricidade da Ucrânia, e – sim – minar as capacidades de resistência de suas forças armadas e de seus habitantes.

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Além disso, vale uma segunda pergunta. Se houver um acidente no reator, com rachadura ou colapso da contenção, o que significa? Obviamente, seria muito grave e, sem dúvida, constituiria um crime de guerra. Danos graves a uma área de 30 km ao redor, a necessidade de evacuar a população dentro daquela área e certamente dezenas de mortes de civis adicionais às que a guerra já causou. Além de danos ao meio ambiente de consequências e duração difíceis de mensurar. Mas não produziria uma catástrofe continental fora das fronteiras ucranianas. É compreensível que a população europeia sinta medo, mas permito-me dizer que não se baseia em razões racionais.

No entanto, seria um erro supor que o ataque foi trivial. Em primeiro lugar, porque por mais precisas que sejam as armas, alguém pode cometer um erro. E segundo, porque com esse ato a Rússia violou vários acordos que assinou e aos quais adere, que explicitamente a impedem de atacar usinas nucleares. Menciono duas: a Convenção de Genebra e a Convenção sobre Segurança Nuclear.

A energia nuclear é um recurso útil para combater os efeitos do aquecimento global. É uma indústria que gera centenas de milhares de empregos em todo o mundo e uma tecnologia que, usada para fins pacíficos, serviu para melhorar a vida das pessoas em vários campos. Os danos causados ​​por ações malévolas não são de responsabilidade da tecnologia, mas de quem (mal) a utiliza para esses fins. Às vezes é bom lembrar que se alguém esfaqueia outra pessoa e a mata, não é a faca que é a responsável.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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