Entrevista

Argentina e Brasil têm que mostrar o caminho para o Mercosul para competir com a China

*Por Federico Poli.

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Bandeira Mercosul (Crédito: Canva Fotos)

A geografia do poder mundial está mudando, mas ainda é difícil prever como será o novo tabuleiro de xadrez internacional e onde Brasil e Argentina vão conseguir se encaixar com o Mercosul. É o que pensa Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil no Reino Unido (1999-2001), França (2003-2005) e Washington (2016-2018) e ministro da Indústria e Comércio Exterior de seu país entre 2001 e 2002, durante a último governo de Fernando Henrique Cardoso. O que Amaral deixa claro é que a nova ordem internacional não será definida em cúpulas diplomáticas, mas como resultado de confrontos e negociações entre as potências. Ele acredita que “o Mercosul precisa de um novo impulso político”. Esta é a terceira de uma série de entrevistas com acadêmicos, diplomatas e líderes econômicos que nos trazem visões alternativas sobre este mundo em transição impactado pela pandemia e pela Guerra.

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Acreditávamos que a pandemia seria o grande acontecimento deste século e a guerra na Ucrânia começou. Como isso impacta no cenário internacional?

Estamos em um momento de transição da Pax Americana para um novo período de luta pelo poder. Hoje prevalece um equilíbrio entre três grandes superpotências, um triunvirato de impérios: o império que já existia, o russo; o império que é , o americano; o império que quer ser, o chinês. Há outra mudança importante no nível militar. Desde a Guerra Fria, tem havido uma estratégia de dissuasão nuclear. As armas nucleares foram projetadas para não serem usadas. O que aconteceu agora? A Rússia construiu armas nucleares de curto alcance, que têm uma capacidade destrutiva limitada. São armas projetadas para serem usadas. Por outro lado, há um novo instrumento nesta guerra e são as sanções impostas pelas grandes potências à Rússia. Fato relevante: nos EUA, as sanções financeiras eram tratadas pelo Departamento do Tesouro e ficavam sob a alçada do Departamento de Estado. Ou seja, fazer parte da diplomacia. Outra mudança geopolítica foi o fortalecimento da unidade dentro da União Europeia e da OTAN, contra os próprios interesses de Vladimir Putin.

Como será essa nova ordem internacional?

Ainda não está definido. Quando a Pax Americana começou, as regras do jogo para economia, política e relações internacionais já haviam sido estabelecidas em Bretton Woods. Agora isso não existe. Compartilho da opinião de Henry Kissinger de que a nova ordem será moldada pelo eixo entre os EUA e a China, seja para cooperação ou conflito. O que estamos vendo agora é que a Rússia também quer fazer parte desse jogo. Acho que não é possível prever como será a nova geografia do poder. As regras não vão ser definidas em conferência diplomática, mas na prática, dependendo dos encontros e desencontros que vão estabelecer os limites. O que está claro é que é impossível pensar em uma aliança entre os EUA e a China, que são os dois atores estratégicos.

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Uma consequência da disputa entre a China e os EUA é a política de realocação de empresas para o território norte-americano. O protecionismo voltou?

Sim, há uma volta ao protecionismo, que começou no governo de Barack Obama e teve seu maior impulso com Donald Trump. Agora Joe Biden continua. Tem a ver com a estratégia de dissociação com a China. Washington desencoraja a integração de empresas chinesas e americanas, procura separá-las para proteger a tecnologia americana e estimular a produção dentro do país. Esta situação agravou-se com a guerra na Ucrânia porque todos os países se conscientizaram de que têm que ser mais independentes, que não devem estar presos a ninguém para se abastecerem de energia ou alimentos. E não é só nos EUA que a Alemanha mudou muito sua visão estratégica. Durante os anos de Angela Merkel, ele colaborou com a Rússia, no que foi chamado de ostpolitik, o que explica sua alta dependência do gás russo. Isso está agora em análise.

Como esse aumento do protecionismo afeta a América Latina?

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Esta não é uma boa notícia para a América Latina. Nossas exportações dependem sobretudo da China, da Europa e dos EUA. E o protecionismo pode afetar o comércio, mas também os investimentos. É uma tentativa de deter a globalização, o que não significa que a globalização vai retroceder, mas significa que haverá menos ações para expandi-la. É uma mudança de paradigma. O que a América Latina não deve fazer é ir contra as tendências globais e comprometer-se a abrir suas economias em um momento em que seus principais parceiros estão fechando.

A América Latina deve ser definida por um lado se essa disputa se agravar?

De maneira nenhuma. A América Latina tem que fortalecer seus espaços de autonomia, não escolher entre as grandes potências. Talvez a única maneira de fazer isso seja fortalecer internamente o Mercosul e a cooperação com a Europa. Por quê? Uma forma de gerar espaços de autonomia é aproximar-se de outra região que também quer ter o seu. E a Europa é um deles, pois não quer ser um ator secundário. Por isso é absurdo que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia esteja parado.

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O que deve mudar no Mercosul?

O Mercosul vive um momento difícil, mas felizmente não é terminal. Dois fatos: o comércio entre o Mercosul e a China atingiu 18% do total da economia do bloco, enquanto o comércio intra-Mercosul está há muito tempo em 11%. Isso significa que estamos nos integrando com a China e não uns com os outros. Para resolver esta questão, devemos entender um fato simples, mas muito importante: os processos de integração não são o resultado de decisões econômicas, mas políticas. Isso é algo que os economistas às vezes não entendem. A integração não vem da economia, é uma intervenção contra o funcionamento do mercado. E o Mercosul precisa de um novo impulso político, porque é mais importante do que nunca.

Por que é mais importante do que nunca?

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O Mercosul é a única forma que temos – Brasil e Argentina – para competir com a China, que também está aumentando sua presença na região. Essas questões devem ser avaliadas e políticas conjuntas adotadas para lidar com esses problemas. Não sou contra a China de forma alguma, fui presidente do Conselho Empresarial Brasil-China por muito tempo. O problema é nosso, que perdemos a capacidade de definir nossos pontos estratégicos. Argentina e Brasil têm a obrigação de mostrar o caminho para o Mercosul. Eles têm que ser um centro econômico e político, como a relação entre a Alemanha e a França foi na União Europeia.

Se eu lhe pedir uma rápida reflexão sobre a Argentina, o que vem à mente?

Sempre vi a relação entre Argentina e Brasil como uma relação entre a qualidade da Argentina e a dimensão do Brasil. A Argentina é um país com grande potencial, mas tem um problema semelhante ao do Brasil: não pode se libertar das heranças do passado para ter uma visão mais moderna e compatível com as demandas do século XXI.

*Colaboração – Francisco Uranga.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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