Cúpula de Líderes de Bali

G20 passou em teste de resistência

*Por Jorge Argüello – Embaixador da Argentina nos Estados Unidos. Sherpa argentino no G20.

G20 passou em teste de resistência
(Crédito: Leon Neal/Getty Images)

Os países desenvolvidos e emergentes do Grupo dos 20 (G20) passaram por um teste de resistência na Cúpula de Líderes de Bali (Indonésia) diante de uma situação de instabilidade econômica global em que o fórum se propôs, apesar de tudo, desempenhar um papel fundamental Função.

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O G20 em Bali abordou uma situação de complexidade sem precedentes desde a sua criação, em 1999: no momento em que o mundo saía da pandemia, chegou a invasão da Ucrânia pela Rússia, o aumento de alimentos e energia, a consequente insegurança alimentar e, como se algo fosse desaparecidos, um evidente agravamento da crise climática.

Durante os inúmeros diálogos e reuniões ministeriais que antecederam a reunião de Bali, foi difícil encontrar uma visão comum no G20 sobre os atuais desafios globais, em particular devido a divergências sobre a situação na Ucrânia.

Antes da Indonésia (seguida pelas cúpulas Índia 2023 e Brasil 2024, todas emergentes), muitos duvidaram da capacidade do G20 de articular uma visão comum sobre tal situação e se perguntaram sobre o próprio futuro do grupo.

Fiador da paz

Passou-se um mês de conversações para que os sherpas dos líderes finalmente elaborassem um projeto de declaração conjunta, que mantivesse as pontes diplomáticas e a relevância desse espaço internacional único de diálogo entre países desenvolvidos e emergentes.

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O G20 define-se como um mecanismo de coordenação econômica e, por opção própria, colocou-se no centro das atenções durante a crise financeira global com a primeira Cimeira de Chefes de Estado e de Governo do G20 em 2008 em Washington. Até então, e ao longo de uma década, a articulação do grupo verificava-se ao nível dos chefes dos Ministérios das Finanças e das presidências dos Bancos Centrais nacionais.

Mas diferentemente do G7, que reúne países com ideias semelhantes e interesses políticos compartilhados, o G20 é um fórum cultural e politicamente plural, formado por países de diferentes desenvolvimentos e interesses, e hoje com claros rivais geopolíticos dentro dele.

É por isso que, desde suas origens, o G20 tem tido maior credibilidade como mecanismo de gestão de crises econômicas do que como fórum de resolução de questões de segurança internacional. Em 2021, sob a presidência da Itália, não foi possível chegar a um acordo sobre uma declaração sobre a situação no Afeganistão. Esse fórum era o adequado para tratar de questões além do econômico-financeiro?

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Um ano depois, a Cúpula de Bali deixou uma conclusão central no G20: os assuntos econômicos mundiais não podem ser isolados de choques na segurança internacional ou tensões geopolíticas.

A invasão da Ucrânia pela Rússia levantou questões de alcance global: sofrimento humano na guerra, fragilidades da economia global e seu crescimento limitado, inflação, corte de cadeias de suprimentos, insegurança energética e alimentar e riscos em geral para a estabilidade financeira. Os líderes do G20 precisavam expressar uma posição sobre essas questões centrais.

Em seguida, o G20 selou um claro compromisso com a paz na Indonésia: “a era atual não deve ser de guerra” e a diplomacia e o diálogo internacional são os principais instrumentos para esse fim. Sem qualquer ambiguidade, os líderes declararam unanimemente o uso ou ameaça de uso de armas nucleares inadmissível. Uma mensagem clara que se espera que se cumpra, tanto em palavras como em atos.

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A ponta do iceberg

As implicações econômicas globais da guerra na Ucrânia também tiveram custos para a Argentina, a região e o mundo, ao abrir uma nova fonte de incerteza para a economia mundial e pelo seu impacto no nível de atividade.

Por esse motivo, o G20 se comprometeu a tomar ações tangíveis, precisas, rápidas e necessárias usando todas as ferramentas políticas disponíveis, inclusive por meio da colaboração em políticas macroeconômicas.

Mas o encontro de líderes é apenas a “ponta do iceberg” de um processo que este ano incluiu cerca de 20 reuniões ministeriais e de governadores de bancos centrais, 56 reuniões de grupos de trabalho e 90 reuniões a nível de grupos de peritos, entre outros eventos paralelos e grupos de afinidade.

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O resultado desse processo é capturado em 52 parágrafos do Documento Final que delineiam uma agenda colaborativa para promover uma recuperação econômica global forte, inclusiva e resiliente e um desenvolvimento sustentável que gere empregos e crescimento.

Seus eixos principais se articulam com base na segurança alimentar, na transição energética e na economia digital, três temas que aparecem no mesmo horizonte do desenvolvimento argentino.

Nesse sentido, destaca-se que o comércio deve contribuir para um sistema alimentar global mais sustentável e equitativo, e que mais esforços são necessários para harmonizar as políticas comerciais, ambientais e alimentares. E, sobretudo, a tão esperada atualização das regras da OMC para o comércio agrícola.

Reconhece-se a necessidade de acelerar as “transições” energéticas para atingir os objetivos climáticos, tendo em conta que não existe um modelo único, a necessidade de fortalecer a cadeia de abastecimento energético, a segurança energética e a diversidade de misturas e sistemas energéticos possíveis.

Um capítulo especial é constituído pelas tecnologias digitais, que devem contribuir para a resolução de desafios globais como as alterações climáticas, a pobreza ou a desigualdade. E avançar para o cumprimento da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Em 1º de dezembro, a Índia assumiu a presidência do G20. Os Sherpas se reuniram de 4 a 7 de dezembro em Udaipur para discutir e traçar os objetivos para 2023. E com isso, testemunhamos um acontecimento histórico: a primeira vez que neste fórum teremos uma troika composta exclusivamente por Países emergentes.

Em Bali ficou demonstrado que o G20 é um espaço valorizado como fórum de diálogo e cooperação internacional, por países desenvolvidos e emergentes. Mas, acima de tudo, mostrou que os confrontos causados ​​por conflitos geopolíticos ou de interesses ainda podem ser tratados em fóruns multilaterais.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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