Ministro das Relações Exteriores da Argentina

Santiago Cafiero: “No concerto internacional, a ausência do Brasil no tempo de Bolsonaro foi sentida”

*Por Jorge Fontevecchia – Co-fundador da Editora Perfil – CEO da Rede Perfil.

Santiago Cafiero No concerto internacional, a ausência do Brasil no tempo de Bolsonaro foi sentida
(Crédito: Marcelo Dubini/ Perfil Argentina)

Para o ministro das Relações Exteriores da Argentina Santiago Cafiero, “Lula é a liderança regional necessária, é o Brasil voltando ao multilateralismo”. Os acontecimentos antidemocráticos em Brasília aceleraram as negociações entre os chanceleres do Brasil e da Argentina, confirmaram a primeira visita oficial do presidente Lula como inamovível e reativaram as relações bilaterais entre Brasil e Argentina. A importância dos regionalismos na nova conjuntura internacional e as expectativas de fortalecimento do Mercosul trazem novos ares ao governo de Alberto Fernández.

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O que lhe disse o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, após a ocupação da Praça dos Três Poderes?

Foram dois cartões postais bem diferentes, porque eu conheci o ministro, quando acompanhei o presidente Fernández à posse do Lula, no dia 1º de janeiro em Brasília e percorremos toda essa praça, e vimos a alegria, como aquelas praças alagadas de esperança, de expectativa, não só pelo governo, não só porque colocaram o Lula no lugar que ele merece na história e no presente, mas também porque eu tive que acompanhar o Alberto, quando estávamos em campanha, quando ainda não era Presidente, eles nem tinham passado pelo PASO (Eleições primárias,abertas, simultâneas e obrigatórias), eu também o acompanhei para visitar o Lula lá onde ele estava preso.

Em Curitiba.

Muitos colegas que se abraçaram naquele 1º de janeiro, agora, e nos reconhecemos, já que estivemos lá.

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Você só conheceu Mauro Vieira no dia primeiro de janeiro.

Conheci Mauro Vieira lá. Ele conhece muito bem a Argentina, tem muitos amigos aqui. A verdade é que lá conheci o ministro Vieira, conversamos e de alguma forma também refletimos sobre as grandes expectativas e esperanças que existiam naquele povo, maculada uma semana depois pelo ataque às instituições, pela brutalidade, pelo ódio. Ele passou da esperança ao ódio em uma semana, e o que consegui fazer assim que vi as imagens foi ligar para ele, tenho um acordo baseado nessas conversas que estávamos tendo e porque recebemos o Lula domingo à noite, para fazer uma visita oficial. A primeira visita oficial de Lula a um país é a Argentina

O que significa isso?

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Muito, é o nosso principal parceiro comercial, é o Lula, é uma liderança regional necessária, é o Brasil voltando ao multilateralismo, à região, e é o Lula, três vezes presidente do Brasil, sem proibições, por voto popular, por eleição dos brasileiros e brasileiras. Do ponto de vista comercial, o que a Argentina precisa é de um Brasil próspero. Do ponto de vista político, é mesmo a necessidade de assumir um papel de maior integração. Era algo que o Alberto vinha levando e construindo, sustentando de alguma forma. Quando chegamos ao governo, Trump ainda estava nos Estados Unidos.

Bolsonaro no Brasil.

Bolsonaro no Brasil, desprezavam a região. Ele tem um olhar punitivo para a região, para quem pensava diferente, ou fazia algo fora daquele roteiro e tinha um olhar totalmente violento e agressivo para a região. Reconstruir mecanismos como a Celac, reconstruir os diálogos bilaterais que foram rompidos com toda a região, foi uma coisa que o Alberto fez e ele teve que construir isso, construir essa integração regional. Tanto que recebeu o voto de confiança dos colegas e assumiu a presidência da Celac, e continua nessa função.

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“Do ponto de vista comercial, o que a Argentina precisa é de um Brasil próspero”

Significa também o retorno do Brasil à Celac.

E agora o Brasil e a região estão de volta. O Brasil esteve ausente dos debates sobre a região, sobre o multilateralismo. Lula significa voltar para a região e isso é fundamental para nós, não só pela questão comercial, mas também pela questão da política externa. É fundamental que Argentina e Brasil andem juntos, questões cotidianas muito específicas. Argentina e Brasil podem constituir nesta crise de abastecimento que existe em nível internacional, a globalização que sofre um declínio cada vez mais acelerado. Ela veio de 2008 em diante sofrendo aquela queda com a queda do comércio internacional, mas ela se acentuou com a pandemia, se acentuou agora com a guerra. Esse multilateralismo em crise requer novos vínculos regionais. Muitos já falam do que está por vir, da globalização das regiões, dos regionalismos e aqui precisamos do Brasil fazendo esse papel. O Alberto construiu, sustentou grande parte disso, mas sempre teve um quadrante de liderança ausente, que era o do Brasil, e agora temos. Essas são as coisas mais importantes. O que eu falei com Mauro Vieira? Muita preocupação naquele dia, tive a certeza de que iriam agir com todo o rigor da lei para adiantar e punir os responsáveis. Isso foi feito, e outra coisa me tranquilizou, que naquele mesmo domingo à noite, quando falei com ele pela última vez, falei várias vezes naquele dia, ele me disse: “Te ligo amanhã para acertar a agenda do a reunião bilateral que vamos fazer dia 23, porque dia 23 temos a confirmação do Lula, que ele vai, e dia 24 voltamos para a Celac”.

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Que responsabilidade você atribui às redes sociais, ao discurso de ódio, ao próprio Bolsonaro no que aconteceu na Praça dos Três Poderes?

Acho que líderes políticos que, por qualquer motivo que, ou por crença ou especulação, alimentam o discurso de ódio acabam semeando o ódio na sociedade, e isso colhe haters. Eles têm que ser responsabilizados.

Você acha que Bolsonaro pode ir para a cadeia?

Não sei qual é a acusação e não sei como é o judiciário brasileiro, mas atribuo responsabilidades. Há responsabilidade política de Bolsonaro no que acontece.

“O principal é que Lula quer muito ajudar a Argentina e, fundamentalmente, quer que a Argentina se saia bem”

No dia 24 de janeiro tem início a sétima cúpula da CELAC, oportunidade em que será assinado o acordo de Integração Econômica e Energética com o Brasil. O que você pode nos dizer sobre esse acordo?

No dia 23 temos a visita oficial de Lula, o presidente do Brasil, com tudo o que isso implica, e é o roteiro dos acordos que vão ser assinados, os acordos que estamos a fazer. Eles são o roteiro para avançar e relançar o relacionamento com o Brasil, para colocá-lo em outro patamar, para relançar a parceria estratégica que temos com o Brasil, e é isso que vai ser discutido. A relação pessoal entre os dois presidentes ajuda, claro, a afinidade sobre o que é preciso, a afinidade ideológica sobre o que é preciso na Argentina, no Brasil e na região, claro que ajuda, mas o trabalho permanente que temos desde a embaixada, dos ministérios da Argentina, ligando a gente com os ministérios do Brasil, com a equipe do governo Lula. Vamos avançar em projetos que têm a ver com a integração energética, em projetos que têm a ver com os desafios de integração financeira que a região tem, e que a Argentina e o Brasil têm em particular. Avançar também com os acordos que temos em matéria científico-tecnológica, aplicações de tecnologia nuclear. Avançar também naquilo que para nós representa um bloco relevante e importante que é a América do Sul. É importante para nós valoriza novamente a Unasul.

Especificamente, a balança comercial da Argentina com o Brasil tem um enorme déficit. Esses acordos que seriam firmados tendem a eliminar esse déficit?

Claro, porque quando terminarmos o gasoduto poderemos vender energia, gás, para o Brasil. Se assim for, teremos um novo vetor de exportação para o Brasil que não existia antes. E com a produção que temos, que bate recorde em Vaca Muerta [Campo de petróleo], temos gás suficiente para alimentar todo o sul do Brasil, suas indústrias e suas casas. E podemos fazer isso de forma estável, confiável e com um valor bem abaixo dos valores que estão sendo pagos hoje com gás natural liquefeito, por exemplo, que quando têm que abastecer as termelétricas estão abastecendo dessa forma. Então nesse sentido, por exemplo, se a gente desenhar uma matriz de uma cadeia de valor regional no que diz respeito à indústria, a indústria automotiva, avançar na eletromobilidade, nos carros elétricos, na indústria automotiva que nós integramos com o Brasil, aí a gente também têm muito a avançar em projetos comuns. O desenvolvimento aeroespacial que temos como um todo. Realmente são muitos os desafios que temos que superar e isso estará no documento que Lula e Alberto publicarão na segunda-feira.

Houve muitas especulações sobre a possibilidade de que nesses acordos houvesse financiamento por parte do BNDS ou do Banco do Brasil, de importações argentinas para que o déficit fiscal inicial pelo menos não tivesse saída de dólares. É fantasia, como em algum momento em que Néstor Kirchner esperava que chegassem milhares de dólares em empréstimos da China, ou você vê alguma viabilidade?

O importante aí é a decisão política de avançar nessa integração. Os tempos, sim, são tempos que não necessariamente são instantâneos, claro, mas o que importa é o roteiro que vai ser proposto, porque o roteiro é o que dá os rumos para os próximos dez, quinze anos da parceria bilateral entre Argentina e Brasil. E aí estamos falando de integração energética, de novos projetos, mas também, sobretudo, de novos vetores de desenvolvimento das exportações que poderão surgir a curtíssimo prazo, como é o caso do segundo trecho do gasoduto. Vamos terminar um trecho do gasoduto Néstor Kirchner até Salliqueló, se continuarmos nessa via e ligarmos.

Por exemplo, seria o financiamento do segundo gasoduto, para que possa chegar ao Brasil.

Claro, e aí temos muito o que colocar rapidamente para começar a equilibrar essa balança comercial, que está claramente em déficit na Argentina, mas também é a que impulsiona as pequenas e média empresas dos subúrbios de Buenos Aires
quando querem exportar. Qualquer PYME na Argentina, o primeiro mercado que olha é o Brasil, pela proximidade, porque temos o Mercosul, pelas diferentes instalações que existem e pelo volume do mercado que tem. A primeira coisa que ela olha é o Mercosul, com o qual temos que dar prioridade ao Mercosul, mas acima de tudo e particularmente a relação comercial com o Brasil.

No caso da presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Argentina havia apresentado Cecilia Todesca como candidata, finalmente venceu e votou em Ilán Goldfajn. O que houve quando o presidente do México disse: “Espero que cumpram o que prometeram à Argentina”? Qual seria a promessa?

Não há promessa, não sei o que ele quis dizer. O que a Argentina se opôs foi o que aconteceu com Trump, que pela primeira vez na história do Banco Interamericano de Desenvolvimento a governança não estava nas mãos de um latino-americano, ou de um latino-americana, e o que estávamos propondo é que houvesse um consenso. Promovemos esse consenso, questionamos permanentemente o ocorrido como uma arbitrariedade inoportuna, e fizemos parte da construção do consenso em torno do candidato brasileiro, foi o que aconteceu. Quando vimos que essa candidatura era poderosa e que reunia consenso, acompanhamos e facilitamos de alguma forma esse consenso.

Existe alguma diferença entre o Brasil e a Argentina? Esse mesmo candidato foi o que Bolsonaro havia proposto. Seria possível na Argentina um candidato ser proposto pelo Frente de Todos e Juntos por el Cambio [partidos políticos]?

Sim, acho que sim. Justamente, o perfil do presidente do BID é um perfil tecnocrático, e com certeza se tivessem proposto um perfil político o povo de Lula seria contra, e isso não aconteceu. Com isso, o que vimos lá foi realmente o que a Argentina havia proposto em todo esse tempo, que o retorno da governança à América Latina era o principal; e segundo, que tenha o consenso necessário. A Argentina contribuiu para esse consenso e me parece que fizemos a coisa certa. O BID é o instrumento que deve financiar essas cadeias de valor regionais, a infraestrutura necessária na América Latina e no Caribe, para reduzir os hiatos de desigualdade que temos. Tem um papel muito importante que deve ser articulado com a região, com o qual deve ter um consenso na região.

“O Alberto foi ver o Lula quando ele estava preso num contexto totalmente adverso, ele mobilizou e usou a voz para levantar essa injustiça”

Lula no Brasil, Petro na Colômbia, Boric no Chile, Arce na Bolívia, Manuel López Obrador no México. Existe algo como uma terceira ‘onda rosa’ na América Latina?

Muitos desses que você acabou de citar, quando começamos o governo havia uma grande solidão, porque muitos dos que você citou ainda não estavam eleitos. E realmente ali Alberto, com muita convicção e defendendo seus valores políticos, avançou naquilo que acreditava ser necessário, que era integrar a América Latina e o Caribe, com opiniões divergentes. Mas ele sempre procurou buscar esses equilíbrios, estar sempre equilibrando as situações e poder chegar no que vai acontecer, uma cúpula na Argentina, em Buenos Aires, da Celac com os trinta e três países da região participando.

O que aconteceu com as eleições e com as reivindicações de cada sociedade, de cada cidade, daqueles que você nomeou?

Não sei. O que estou convencido é que todos os fenômenos antidemocráticos ou profundamente neoliberais da direita fracassaram na região. E foi isso que permitiu que os movimentos populares se recuperassem rapidamente. Algumas democracias em recuperação, como a Bolívia, é muito diferente, um golpe, depois uma proscrição, e Arce acaba ganhando a presidência. Demonstrando que bolivianos e bolivianas escolheram outro governo, não o de direita, que queriam impor a eles. E tantos outros. Há um renascimento dos movimentos populares na América Latina e no Caribe, e também há um olhar diferente, muito diferente do que era antes.

Há um deslocamento para o centro, nos anos 70 era violência física, no início do século, violência oral, e agora parece mais uma social-democracia?

Categorias analíticas, do ponto de vista ideológico, os latino-americanos e caribenhos têm suas próprias categorias. E o que é popular tem muito mais a ver com identificações de esquerda ou de direita tradicional, europeia ou americana. E o que se instala são movimentos populares que dão conta das necessidades de seu povo, e entendem o mundo em que devem desenvolvê-lo, o fazem com muito pragmatismo, naturalmente. Não são posições ideológicas, são posições bastante pragmáticas, têm que atuar em um ecossistema que está dado. A partir disso, procuram gerar projetos de transformação, que são projetos profundos, em alguns casos fazem mais rápido, em outros menos, mas todos vão na mesma direção. O que unifica, ou o denominador comum desses governos populares hoje, é a luta contra a desigualdade, por exemplo.

“Macri e Bolsonaro, com o eufemismo de modernização e flexibilização, o que iam fazer era destruir o Mercosul com redução de tarifas”

Depois de Buenos Aires, Lula segue para Montevidéu para se encontrar com Lacalle Pou. Existe uma ideia de Lula de que o Mercosul é o ponto de partida para toda a América do Sul integrar um único bloco econômico?

O Mercosul é a ferramenta de integração regional mais importante da América do Sul, a mais importante da região, sem dúvida, com seus mais de trinta anos, trinta e dois este ano, passou por tempos e velocidades, onde os primeiros dez anos não houve um grande comércio intrazona e depois, depois, com o boom das commodities e o boom dos preços das matérias-primas, houve uma grande primarização e o comércio intrazona, que é um comércio mais industrial, mais elaborado, que exporta trabalho, que mobiliza recursos muito mais relevantes do ponto de vista da possibilidade de geração de empregos em diferentes países. Foi desequilibrado em relação à primarização que ocorreu depois, ou seja, o Mercosul foi primarizado. O que eu acho que Lula está fazendo, e é o caminho que entendo que ele vai seguir a partir do que temos falado, é a reindustrialização do Mercosul, neste contexto em que as cadeias produtivas globais estão em crise, primeiro pela pandemia, depois para a guerra.

Para trazer as fábricas da China de volta aos territórios locais.

Retornos de realocação; é isso que está voltando. E América Latina e Caribe, América do Sul e Mercosul em particular, temos que acordar rapidamente para discutir qual elo da cadeia queremos ser. A da exportação primária de recursos naturais? Ou seremos o elo que gera trabalho, que gera conhecimento, que gera transferência de tecnologia, que contribui para a produção com a incorporação de talentos argentinos e sul-americanos? Essa é a discussão, acho que o Brasil vai ser líder lá e acho importante essa viagem, que o Lula está fazendo, claro, para o Uruguai, mas me parece que se fortalecermos o Mercosul incorporamos novos membros, membros que já estavam lá, Venezuela, Bolívia, acabamos de terminar isso. E ao mesmo tempo continuamos gerando uma atração para o Mercosul a partir de outros países sul-americanos, ou seja, o bloco regional necessário. O Mercosul é um bloco regional de 260 milhões de habitantes, podemos discutir de outro lugar, é um bloco regional que tem universidades, um complexo científico-tecnológico, no qual podemos fazer satélites, fazer vacinas; Brasil e Argentina fabricam vacinas.

A América do Sul é uma região, outra região é a Europa. Você anunciou que está viajando a Bruxelas para o encontro com José Borrell. Que expectativa você tem de que um acordo com a União Europeia, agora que o Bolsonaro não está e o Lula está aqui, seja possível com algum tipo de modificação?

Acreditamos que o acordo sofreu modificações, o pré-acordo que foi feito e assinado em 2019, daí em diante o Mercosul não fez mais nada, ou fez muito pouco. Apenas respondemos a diferentes iniciativas e diferentes questões que foram exigidas da Europa. O Mercosul não exigia nada desse lado. Todo o capítulo da cooperação, necessário para que as assimetrias produtivas e financeiras existentes entre os dois blocos sejam equilibradas, essa discussão deve ser feita, e o Brasil concorda. E por outro lado, lembramos que desde aquele pré-acordo assinado em 2019 até agora, o Mercosul ficou praticamente estático, quase paralisado em relação a isso. No entanto, a União Europeia avançou com o Pacto Verde Europeu, com restrições do ponto de vista ambiental, com restrições fitossanitárias, com barreiras fitossanitárias, e isso pode ter repercussões em acentuar ainda mais as assimetrias entre os dois blocos. Com isso, há muito o que discutir. Nossa vontade é, claro, seguir em frente e ter um bom acordo possível. Esse acordo está protegendo nossas pequenas e médias empresas, protegendo a produção argentina, protegendo os trabalhadores argentinos.

Você teve que ir com Alberto Fernández para Curitiba quando Lula estava na prisão. Ninguém imaginava que ele sairia em liberdade, muito menos que seria presidente. Além disso, você foi à posse de Lula em 1º de janeiro com Alberto. O primeiro encontro que Lula teve foi com Alberto Fernández, e o primeiro país que ele visita é a Argentina. Dessa experiência em Curitiba, o que resta? Seu relacionamento com Lula afetou você emocionalmente?

Uma experiência da qual guardo muito carinho dos colegas que estavam lá fazendo a vigília. Parece-me que é o valor das convicções. Alberto demonstrou que o valor das convicções é muito mais duradouro, verdadeiro do que qualquer tipo de especulação ocasional que se possa ter. Porque ninguém fala que quem não foi ver o Lula não o quis. Ninguém diz que quem não foi visitá-lo não foi mobilizado pela injustiça que sofria. No entanto, Alberto sentiu a necessidade de acompanhá-lo, de estar ali, de dar um testemunho. Alberto não era presidente, era candidato, nem tinham passado pelo PASO, com o qual tudo era incerto. Porém, o valor das condenações foi maior, e acho que hoje isso coloca a relação entre Argentina e Brasil em outra dimensão. Permite-nos relançar a relação com o nosso principal parceiro estratégico, mas também, por outro lado, o que nos permite é projetar os próximos dez, vinte anos de relação bilateral com o Brasil.

Pode-se dizer que Lula está comprometido com a Frente de Todos fazendo a melhor eleição possível este ano?

Não, o que eu vejo é que existe um grande compromisso afetivo com o Alberto. Eu sinto isso, eu vejo isso. Vamos dimensionar isso, Alberto foi vê-lo quando Lula estava na prisão, não é que ele foi vê-lo para uma questão fotográfica, ou para a imprensa, de jeito nenhum, porque em um contexto totalmente adverso, ele mobilizou e usou sua voz para levantar permanentemente no concerto internacional que uma injustiça estava sendo cometida com o que estava acontecendo com a prisão de Lula. Ele fez isso na Europa e já fez isso quando era presidente também. Todas as vezes que ele tinha a chance de falar com os líderes europeus, ele levantava a questão do que havia acontecido no Brasil, o que estava acontecendo no Brasil com a prisão do Lula, o que aconteceu. Ou seja, não era uma coisa fotográfica, longe disso, mas era isso. Por outro lado, vamos dimensionar, Lula vem à Argentina em plena campanha, veio comemorar conosco o Dia da Democracia e dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro do ano passado, ele estava iniciando sua campanha eleitoral. Mais tarde, por outro lado, naquele mesmo domingo em que Lula ganhou as eleições, falou ocasionalmente ao telefone com Alberto e disse-lhe: “Por favor, venha, quero te dar um abraço”. E Alberto imediatamente no dia seguinte pega um avião e vai vê-lo e eles se abraçam. E a primeira visita que Lula faz é à Argentina.

Ele colocou o chapéu naquela noite de Cristina Kirchner.

Sim, claro, porque existem grandes afetos, e é muito bom. Acredito que o principal aqui é que Lula quer muito ajudar a Argentina e, fundamentalmente, quer que a Argentina se saia bem. E nesse sentido faço minhas as palavras, entendemos que o projeto de país que expressamos tem muito mais a ver com esse contexto regional que vive o Brasil, que é o principal parceiro comercial da Argentina, e é o principal parceiro estratégico que tem a Argentina.

O sistema do Itamaraty é considerado um dos melhores dos países em desenvolvimento. De fato, na Praça dos Três Poderes, o outro prédio que divide com os três poderes é o Ministério das Relações Exteriores. Que experiência você teve no relacionamento com diplomatas brasileiros? Em que são diferentes?

A primeira coisa que me coube como tarefa, que o presidente me confiou, foi salvar o Mercosul. Quando assumi em setembro de 2021, o Mercosul estava paralisado, em crise, ainda tinha o rastro do que Macri havia acertado com Bolsonaro, que era reduzir a tarifa externa comum para 50%, que quebrou pequenas e médias empresas, quebrou a indústria, destruiu a indústria automobilística, Argentina e Brasil também. Íamos ter demissões, realmente era uma situação muito complexa, então a primeira viagem que fiz foi para o Itamaraty. E ali eu vi que independentemente de haver um governo que tivesse assumido compromissos de redução de tarifas com o eufemismo de modernização e flexibilização, o que eles iriam fazer era destruir o Mercosul, compromisso que Macri havia feito com Bolsonaro. Vi um grande profissionalismo, independentemente de haver uma corrente, como você diz, diferente. Mas vi um profissionalismo muito grande, eles facilitaram muito a tarefa de negociação para mim e conseguimos economizar porque negociamos bem, conseguimos proteger os setores produtivos da Argentina e obviamente a tarifa externa comum não foi reduzida como pretendíamos. Isso teria destruído a indústria local, com a qual realmente vi um grande profissionalismo ali, e um grande comprometimento com a política do Mercosul. Hoje vejo uma proximidade diferente, naturalmente.

Existe uma cultura mais profissional das relações exteriores brasileiras?

O Brasil é um player diferente no cenário internacional, por isso sua ausência foi muito sentida no tempo de Bolsonaro. De fato, existe uma cultura de relações exteriores no Brasil que não é a mesma da região.

Ele está em outra liga.

Em outra liga e são chamados a liderar, naturalmente eu diria. Mas a região também complementa e a Argentina é um complemento fundamental dessa liderança do Brasil, naturalmente. Primeiro, pela proximidade, e não só agora pela questão emocional, mas também porque a Argentina é realmente um país que conseguiu, pelo tamanho da sua indústria, conseguir essa autonomia industrial em muitos campos, de ter um desenvolvimento da tecnologia nuclear de 70 anos, para ser um dos poucos países, oito países que podem construir satélites e colocá-los em órbita. A Argentina, nesse sentido, também possui um importante prestígio internacional. Todo o seu enclave científico e tecnológico também representou um prestígio muito relevante para a Argentina. E também complementamos o Brasil nesse sentido.

“Muitos já falam que o que vem é a globalização das regiões, dos regionalismos, e aqui precisamos do Brasil fazendo esse papel”

Na quarta-feira, 18, na capa de dois dos principais jornais argentinos estava a manchete “Rejeição dos Estados Unidos ao julgamento da Corte”, um apelo ao respeito às instituições. Houve alguma declaração oficial sobre esta questão dos Estados Unidos?

Não, nenhuma. Os Estados não respondem informações em off, pois não marcam posições em off. Aí tem que ver qual é o rigor jornalístico desses meios, mas não são de forma alguma temas de conversa que temos tido com os Estados Unidos.

A viagem de Alberto Fernández para ver Biden finalmente vai acontecer?

Também depende dos horários. Era uma reunião que estava marcada, que depois foi suspensa porque o presidente Biden pegou Covid, era pública e, com base nisso, não foi totalmente remarcada. Será reagendada. De qualquer forma, a agenda que estamos desenvolvendo com os Estados Unidos é poderosa. Temos investimentos de capital significativos nos EUA em lítio, no setor automotivo, setores industriais, setores de conhecimento. 50% das exportações da economia do conhecimento na Argentina vão para os Estados Unidos, os serviços baseados no conhecimento vão para os Estados Unidos, ou seja, 50% das exportações. Com o qual temos um mercado fluido. Sim, temos algumas barreiras e algumas questões que temos que resolver, claro. Mas realmente o relacionamento é um bom relacionamento. Por isso fiquei surpreso com o que surgiu e que deram tanto destaque quando não é uma informação oficial.

A que você o atribui?

Atribuo a uma questão de política local, com posicionamento local dessas linhas editoriais, mas que não representam em nada as conversas que temos com o Departamento de Estado ou com a Casa Branca.

Você é uma das pessoas mais próximas do presidente Alberto Fernández, foi seu chefe de gabinete, seu chefe de campanha e aquele que o acompanhou durante toda a campanha. Ele havia declarado que iria participar do PASO e que seria candidato. Como o vê hoje, é uma aspiração que continua mantendo?

O presidente sempre foi claro, além de ser o presidente do Partido Justicialista, vai fazer o que tiver que fazer para que o peronismo vença este ano. Ele sempre me confiou um relacionamento e sempre foi muito generoso comigo, e vou trabalhar nessa premissa, na premissa que ele levantou, de que o peronismo ganhe as eleições. Porque o peronismo é a força política que a Argentina pode desenvolver no futuro, porque hoje o entendemos assim com o presidente. Hoje foi a hora de construir com muitos contratempos, a crise de 2018-2019, o endividamento, a inadimplência macrista. Porque a verdade é que o eufemismo para reperfilar é basicamente não cumprir os contratos. E quando você não cumpre os contratos você vai à falência. E foi o que aconteceu. Pouco tempo depois veio a pandemia e a guerra; As dificuldades que a Argentina teve neste tempo foram enormes, únicas, e mesmo assim o Presidente consegue construir a Argentina do futuro, e para isso precisamos que o Peronismo continue.

Isso quer dizer que se para o peronismo ter mais chances o presidente não precisasse se apresentar como candidato, ele o faria?

Ele sempre disse, que vai fazer o que tiver que fazer para que o peronismo vença, porque essa é a Argentina do futuro.

O mesmo disse a vice-presidente Cristina Kirchner, a questão é o que é melhor para o peronismo vencer. A pergunta seria: o fato de ela não ser candidata aumenta a possibilidade de vitória do peronismo?

Não, parece-me que ela teve uma reação a uma sentença que a impôs interdição. Então, para essa reação, ela manifesta o que é público. Para nós, o principal é que todo o peronismo esteja unido, e a unidade do peronismo em si também não garante a vitória. O peronismo que vem, o peronismo do futuro, o peronismo que vai parar na construção que Alberto fez neste tempo, com uma indústria que cresce, com uma capacidade instalada industrial que está em níveis recordes, com exportações recordes. Este ano conclui o ano recorde das exportações argentinas, em 2022 foram alcançados os 100 bilhões de dólares de exportações entre bens e serviços. Ano recorde de exportações da Argentina. Agora o desafio é o que vai acontecer no futuro, esse é o desafio. O peronismo é a força política que pode fazer esse desenvolvimento com justiça social, com distribuição, porque há cinco setores que já estão em andamento na Argentina hoje, e isso fará com que em sete anos, dez anos, a Argentina duplique suas exportações. São cinco setores ou cinco espaços produtivos. Uma delas é o agronegócio aplicando biotecnologia, aplicando infraestrutura para irrigação mais eficiente. Isso pode somar mais 10 bilhões de dólares de exportações. Hoje gira em torno de pouco mais de 50 bilhões de dólares em exportações. Isso pode agregar 10 bilhões de dólares a mais nas exportações desse setor.

Uns 20% a mais.

Depois temos energia, Vaca Muerta, gasodutos, faz mais de 20 anos que não se constrói um gasoduto na Argentina, este governo está fazendo, Alberto Fernández está fazendo. Isso permite que a Argentina, se nos ligarmos ao Brasil, se reconstituirmos os gasodutos transandinos e os oleodutos transandinos, também podemos ir para o Chile, etc. Temos um grande potencial lá em energia com Vaca Muerta, mas também com gás natural liquefeito e também com hidrogênio verde. Lá isso pode somar 30 bilhões de dólares a mais em exportações. O segmento de energia é de 5 bilhões de dólares de exportação, apenas. Com esses projetos que já estão acontecendo, se isso não parar.

Você poderia multiplicar por seis.

Ele pode se multiplicar rapidamente.

Você ganha 30.000 a mais de energia e 10.000 a mais de agricultura: 40.000.

Na mineração, lítio e cobre, minerais estratégicos não só para a eletromobilidade, um carro elétrico tem cinco vezes mais cobre.

Mineração do lado chileno é de 60 bilhões de dólares de exportação; do lado argentino, menos de 10 mil.

É mínimo, no meio de tudo, estamos chegando a 9 bilhões de dólares, é muito pouco.

Ou seja, os outros 60 bilhões a dobrar viriam da mineração.

Hoje existem seis projetos de lítio que estão avançando na Argentina, um projeto de cobre na Argentina.

Quatro bilhões de dólares em San Juan.

Quando esses projetos começarem a funcionar, também será possível chegar a uma cifra de 20 bilhões de dólares em exportações. Depois temos os setores industriais. Se conseguirmos, e aqui vem todo o segmento anterior em uma entrevista, se conseguirmos.

“Há responsabilidade política de Bolsonaro no ocorrido. Passou da esperança ao ódio em uma semana.”

Integração com o Brasil…

A integração poderosa com o Brasil no segmento industrial, ou seja, identificar cadeias globais de valor, gerar clusters de exportação para o resto do mundo, daqui, da Argentina, Brasil e Mercosul, aí também temos muito progresso para fazer no segmento industrial. E, finalmente, o segmento de serviços. O segmento de serviços é fundamental, não só a questão do turismo, que a Argentina é um importante polo turístico, mas também de serviços baseados em conhecimento. Software, a economia do conhecimento. São setores que estão crescendo a passos largos na Argentina porque nunca pararam, porque têm um novo marco regulatório que foi alcançado por este governo com incentivos especiais que este governo conseguiu, para que gerem o número de empregos que estão sendo gerados.

Dobrar as exportações em sete anos.

Já temos doze unicórnios na Argentina, empresas de tecnologia listadas em Wall Street por mais de um bilhão de dólares. Você pode ter um unicórnio, dois unicórnios, três unicórnios. Eles podem estar sem sorte, com alguns gênios faltando. Agora, se você tem doze anos, você terá vinte. A Argentina está caminhando para isso. Toda a rede de universidades públicas do Conurbano que estão localizadas em toda a Área Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) são grandes polos tecnológicos e científicos da Argentina. Sem falar no setor farmacêutico, no setor de máquinas agrícolas, setores onde a Argentina é muito poderosa e lidera.

Se as exportações dobrassem em sete anos, o produto bruto poderia aumentar, 30% a mais? (N.d.R.: 17%), dividido por sete anos, quanto aumentaria o produto bruto por ano, 4% a mais? (N.d.R.: 2,5%). Existe uma estatística que mostra os países que ganharam a Copa do Mundo aumentando seu produto bruto em 0,5% a mais do que teriam crescido em grande parte devido ao turismo e produtos de marcas nacionais.

Esta é uma boa notícia para Sergio Massa e para todos.

Você mencionou Massa. Se conseguir estabilizar a economia e atingir a inflação mensal de 3% no segundo trimestre deste ano, será um candidato aceitável à presidência da Frente de Todos?

O que precisamos como frente política é avançar nessa via de ordenamento macroeconômico que Massa está realizando. Não tenho dúvidas, Sergio está fazendo um trabalho de ordenamento fiscal, ordenamento monetário, muito caro, muito difícil, administrando permanentemente as tensões. Você está realizando uma tarefa muito complexa e a está realizando longe de todas aquelas questões que sempre lhe foram ditas. Sempre a oposição, Juntos pela Mudança, o macrismo, chamavam de especulador, não mostravam. Massa está mostrando que é um líder político que faz o que é preciso, que não está pensando na próxima eleição, e isso é fundamental para que a Argentina venha. Se isso colocar Sergio como um possível candidato, seria fantástico.

Vai ser candidato a alguma coisa nas próximas eleições?

Não. Vou trabalhar para que o peronismo vença, é a instrução que o presidente me deu e vou continuar trabalhando lá. Sou o secretário-geral do partido a nível nacional e a minha tarefa é trabalhar com todas as províncias para que o peronismo vença nas províncias, para que sejam reeleitos os governadores que vão à reeleição. Onde não somos governo, para poder ganhar essas províncias; minha tarefa é uma tarefa de ordem política, não estou concorrendo este ano.

Produção – Melody Acosta Rizza e Sol Bacigalupo.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

 

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