Diante da provável mudança de governo que o parlamento israelense endossará, surgem perguntas mais do que válidas sobre a direção que tomará a heterogênea, e frágil, coalizão que irá acabar com doze anos ininterruptos de Benjamin Netanyahu no poder.
O homem que chega para ocupar a chefia do Governo com o aval do Knesset (ou parlamento) surpreende em vários aspectos. Em primeiro lugar, Naftali Bennett mostrou ter força política, ao formar uma aliança a partir de uma posição minoritária – como a de seu partido Yamina, com apenas sete das 120 cadeiras –, e na qual convergem conservadores, nacionalistas, direitistas, trabalhistas-socialistas e até mesmo uma agrupação islâmica. Deve sua coroação, em parte, ao trabalho e à fama do liberal de centro-direita Yair Lapid, o outro “costureiro” do novo espaço dominante.
O desembarque de Bennett marca a chegada ao poder, pela primeira vez na jovem história do Estado de Israel, de um observador da fé hebraica, como sublinhou a revista Foreign Policy dias atrás. Isso não garante de forma alguma o apoio dos líderes da população crente, que se divide entre aqueles que se definem como tradicionalistas praticantes, ortodoxos ou ultraortodoxos, e que juntos representam um terço dos quase 9 milhões de habitantes.
Bennett tem sido acusado de ser um devoto ilegítimo, um “convertido”, na boca de líderes religiosos que, por sua condição, não participam do trabalho produtivo que contribui para a riqueza do país, do serviço militar obrigatório ou de outras obrigações, e vivem, na prática, como no século XIII, na dependência de um sistema generoso, implantado muito antes da chegada de Netanyahu e do qual são parte interessada.
Em vez de relaxar com o fato de ter “um dos seus” no comando, o oposto acontece. Ainda mais quando o secularista Avigdor Lieberman aparece como o novo ministro das Finanças. Lieberman está determinado a mudar o rumo de longo prazo da política israelense, desmontando o aparato favorável aos setores religiosos. É sabido que ele quer tornar obrigatório o ensino das ciências exatas, línguas e novas tecnologias para os jovens ultrarreligiosos, como forma de romper estourar a bolha, e assim forçá-los a se habituarem a uma economia de mercado que rompe o vínculo quase clientelista com os seus referentes espirituais, que os submergem em recorrentes penúrias econômicas.
Os preceitos de Lieberman não são alheios ao problema demográfico israelense. Sabendo que o crescimento populacional depende dos judeus praticantes e dos árabes israelenses, estes últimos – os parceiros menos pensados – cessaram sua defesa feroz da causa palestina para se concentrar em benefícios tangíveis para os seus próprios, no curtíssimo prazo, que certamente virão dos cortes que se avizinham para aqueles que guardam o Sábado. A melhoria dos níveis socioeconômicos da população árabe – muçulmana e cristã, em sua minoria – é considerada uma condição para a redução, em décadas, de seu peso relativo no futuro do país.
Entretanto, a fragilidade com a qual a coalizão chegará ao poder semeia dúvidas sobre a sua capacidade de manobra para mudar as políticas de Estado. Ao contrário de Netanyahu, a convocação de eleições os apearia do poder, e é compreensível que no início se concentrem nos assuntos internos, uma espécie de remake da era trumpiana.
A América Latina e a Argentina pouco devem esperar, após a decepção causada pelo seu apoio no Conselho de Direitos Humanos da ONU à formação de uma comissão permanente para investigar atos internacionalmente ilícitos no conflito palestino-israelense. A exceção poderia vir do vínculo sentimental que une ao nosso país o próximo vice-primeiro-ministro e titular do Palácio da Justiça, Gideon Saar, filho de Samuel Zarechansky, que emigrou na década de 1970.
*Por Mookie Tenembaum – Filósofo e analista internacional.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.